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por Vieira do Mar, em 25.01.07
REPOST III"A fúria anti-despenalização das vacas frígidas que por aí mugem, enoja-me. Note-se: o que me agonia não é que sejam contra a despenalização da IVG (posição que respeito, se defendida com tino e bom senso), mas sim que o gritem histérica e raivosamente, com aleivosia e baixeza, e com aquele maniqueísmo próprio de quem se acha do lado dos "bons", cuja missão divina é lutar contra os "maus", os outros, os assassinos de criancinhas.
Após terem parido os três a seis filhos da praxe e esgotado os nomes de baptismo das dinastias portuguesas, alcantilam-se ao posto de defensoras da vida, como se o amor delas pelas crianças fosse maior que o dos outros, os defensores da morte. Enquanto isso, enxotam a ninhada barulhenta e incómoda para os braços das natashas, estas ucranianas são do melhor, muito limpinhas e caladas, não interessa se não falam português, que com as crianças não é preciso conversa, basta que as mantenham à distância e vinquem bem os colarinhos, enquanto nos servem mais um uísque. Olhe, já agora, vá ali comprar tabaco, vá, e o menino saia e feche a porta, que a mãe tem de se arranjar que hoje vai sair com um amigo. Depois, periodicamente, vão a Espanha limpar os úteros (que prole grande e alargada, quer-se só do marido e não dos amigos com quem se brinca de vez em quando).
De dia, por entre as ressacas e os chás (onde congeminam maneiras de lixar o resto do mundo com a sua pegajosa beatice) vão à Igreja, genuflexizam-se, benzem-se, pedem perdão a Deus e exercem de mães, levando os miúdos a mil e uma actividades, pode ser que se cansem e não chateiem, vêem como gostamos tanto deles, vêem, tão disponíveis que nós somos.
No entretanto, os maridos empresários e chefes de gabinete andam a comer a secretária, quer à canzana ou à missionário, senhor doutor, que quando dá azar também chutam para a mesma clínica, que coincidência, quem sabe, se calhar ela já se encontrou com a legítima na sala de espera, tome lá o cheque, a menina sabe que não podemos, seria um escândalo, o dinheiro é todo da minha mulher, percebe.
Ou então, médicos, daqueles que se recusam a laquear as trompas da drogada que já largou quatro filhos seropositivos, pensa bem filha, que ser mãe é uma benção de Deus, tens a certeza, vê lá isso, depois arrependes-te, porque as crianças são o melhor do mundo, por isso manda vir mais uns quantos, que a gente está cá para isso, mesmo que nasçam com novecentos gramas de peso e a agonizar de dores, com a súbita privação da droga que lhes vinha da desnaturada que as carregou no ventre. Mesmo que sejam chutadas para centros de acolhimento onde desesperam durante anos, catando migalhinhas de carinho e afecto.
Porque não se pode privar as "crianças" por nascer do direito a uma vidinha, mesmo que de merda, afinal, só Deus Nosso Senhor pode dizer se vão ser pedaços de carne, indesejada, cuspida e escarrada, ou crianças felizes, com direito a uma infância e tudo. Porque os nossos, abortamos e abandonamos nós (abandonos, há muitos); os dos outros, Ele é quem manda, nós só damos uma mãozinha, pode ser que ganhemos um lugar no céu ou, melhor ainda, num prime time qualquer, basta dizer umas coisas e empunhar uns cartazes. E o resto que se lixe e amanhe. Hipócritas."
(Agosto de 2005)
Após terem parido os três a seis filhos da praxe e esgotado os nomes de baptismo das dinastias portuguesas, alcantilam-se ao posto de defensoras da vida, como se o amor delas pelas crianças fosse maior que o dos outros, os defensores da morte. Enquanto isso, enxotam a ninhada barulhenta e incómoda para os braços das natashas, estas ucranianas são do melhor, muito limpinhas e caladas, não interessa se não falam português, que com as crianças não é preciso conversa, basta que as mantenham à distância e vinquem bem os colarinhos, enquanto nos servem mais um uísque. Olhe, já agora, vá ali comprar tabaco, vá, e o menino saia e feche a porta, que a mãe tem de se arranjar que hoje vai sair com um amigo. Depois, periodicamente, vão a Espanha limpar os úteros (que prole grande e alargada, quer-se só do marido e não dos amigos com quem se brinca de vez em quando).
De dia, por entre as ressacas e os chás (onde congeminam maneiras de lixar o resto do mundo com a sua pegajosa beatice) vão à Igreja, genuflexizam-se, benzem-se, pedem perdão a Deus e exercem de mães, levando os miúdos a mil e uma actividades, pode ser que se cansem e não chateiem, vêem como gostamos tanto deles, vêem, tão disponíveis que nós somos.
No entretanto, os maridos empresários e chefes de gabinete andam a comer a secretária, quer à canzana ou à missionário, senhor doutor, que quando dá azar também chutam para a mesma clínica, que coincidência, quem sabe, se calhar ela já se encontrou com a legítima na sala de espera, tome lá o cheque, a menina sabe que não podemos, seria um escândalo, o dinheiro é todo da minha mulher, percebe.
Ou então, médicos, daqueles que se recusam a laquear as trompas da drogada que já largou quatro filhos seropositivos, pensa bem filha, que ser mãe é uma benção de Deus, tens a certeza, vê lá isso, depois arrependes-te, porque as crianças são o melhor do mundo, por isso manda vir mais uns quantos, que a gente está cá para isso, mesmo que nasçam com novecentos gramas de peso e a agonizar de dores, com a súbita privação da droga que lhes vinha da desnaturada que as carregou no ventre. Mesmo que sejam chutadas para centros de acolhimento onde desesperam durante anos, catando migalhinhas de carinho e afecto.
Porque não se pode privar as "crianças" por nascer do direito a uma vidinha, mesmo que de merda, afinal, só Deus Nosso Senhor pode dizer se vão ser pedaços de carne, indesejada, cuspida e escarrada, ou crianças felizes, com direito a uma infância e tudo. Porque os nossos, abortamos e abandonamos nós (abandonos, há muitos); os dos outros, Ele é quem manda, nós só damos uma mãozinha, pode ser que ganhemos um lugar no céu ou, melhor ainda, num prime time qualquer, basta dizer umas coisas e empunhar uns cartazes. E o resto que se lixe e amanhe. Hipócritas."
(Agosto de 2005)