...
por Vieira do Mar, em 18.09.05
O primeiro dia
A primeira vez que largamos um filho no infantário, invade-nos a vontade de desatarmos a correr àprocura da figueira mais próxima, para nos enforcarmos, tal a culpa que nos assola. A desgraça costuma evoluir da seguinte forma: no primeiro dia, com a imaginação atiçada pelo esforço conjunto da família, os putos vão na expectativa de um lugar celestial, com brinquedos e meninos, para brincar e bater à discrição.
Chegam de coração aos pulos e são recebidos pelos sorrisos abertos de educadoras e auxiliares. Só que o colo daquela que-vai-ser-só-deles-enquanto-a-mãe-vai-trabalhar dura apenas 0, 0001 nanogésimo de segundo, rapidamente oferecido a um outro miúdo (que cedo constata a mesma coisa). É então que começam a torcer o nariz, mas que merda é esta, pá, quem são estes gajos todos iguais a mim ao colo da Isabel (elas chamam-se sempre isabéis, marias joões, cristinas ou sãos) ? Encorajado, porém, com o falso sorriso de confiança que a mãe e o pai lhe dirigem, lá vai ele, portão dentro, adeus, querido, porta-te bem, a mãe vem cedo, logo a seguir ao lanche... No primeiro dia quase todos (como não sabem bem, bem, o que os espera) ainda viram as caritas para trás e esboçam arremedos de sorrisos. Nos seguintes, porém, desenrola-se no seio familiar uma verdadeira tragédia grega, em vários actos e sem catarse à vista.
Conforme os feitios e as disposições, as criancinhas são levadas (algumas, literalmente, arrastadas) em lágrimas, aos gritos, aos soluços, num choque mudo ou (a pior hipótese, garanto-vos) num esforço brutal para não chorarem e não decepcionarem os pais, repetindo entredentes para si próprias: eu não vou chorar, eu não vou chorar... enfim, um tormento diário de olhos inchados, bibes ranhosos e pais desorientados, despojados de qualquer réstea de dignidade, a quebrarem as regras mais básicas de qualquer manual de psicologia infantil. Pais que não aguentam e invadem as salas, resgatando das garras das malvadas educadoras os filhos aprisionados, pais que compram um sorriso aos filhos com pernas de pau e pastilhas elásticas às nove da manhã, mães que aguardam horas dentro dos carros, mãos cravadas no volante, até uma alma caridosa vir cá fora garantir-lhes, jureumorrajáqui!, que o respectivo rebento estácalmo, arriscando processos disciplinares nos locais de trabalho, pode ir, mãe, pode ir que ele está bem...; mães que se reúnem no café ao lado exibindo, como troféus, os sorrisos arrancados na despedida, ele hoje já não chorou, só soluçou um bocadinho, pois a minha, até me disse adeus e sorriu para mim, só que vomitou logo a seguir... Bandos de galinhas infelizes que cacarejam as angústias pela manhã fora, em frente a bicas frias que não beberam (eu! eu!) e que, à tarde (depois de um dia em que não viveram e se limitaram a vegetar e a arrastarem-se pelas horas) desesperam de angústia se o trânsito as impede de estar lá às quatro em ponto, ai se o Filipe sai primeiro, o meu fica a pensar que já não o vou buscar, ai e se a educadora se vai embora e o metem da sala do lado, ai que está quase noite e ele ali... ai, ai, AI!.
Felizmente, alguns dias ou semanas depois, os miúdos resignam-se e muitos acabam, mesmo, por gostar, destarte alguns recuos e sossobros pelo meio. Mas lá que doem como o caraças, aqueles primeiros dias, que nós (e eles) nunca mais esquecemos, isso doem. Por isso, vai daqui uma ganda beijoca de solidariedade para com todas as mães e pais que, no presente ano lectivo, passam (ou já passaram, ufa!) por esta puta desta agonia.
A primeira vez que largamos um filho no infantário, invade-nos a vontade de desatarmos a correr àprocura da figueira mais próxima, para nos enforcarmos, tal a culpa que nos assola. A desgraça costuma evoluir da seguinte forma: no primeiro dia, com a imaginação atiçada pelo esforço conjunto da família, os putos vão na expectativa de um lugar celestial, com brinquedos e meninos, para brincar e bater à discrição.
Chegam de coração aos pulos e são recebidos pelos sorrisos abertos de educadoras e auxiliares. Só que o colo daquela que-vai-ser-só-deles-enquanto-a-mãe-vai-trabalhar dura apenas 0, 0001 nanogésimo de segundo, rapidamente oferecido a um outro miúdo (que cedo constata a mesma coisa). É então que começam a torcer o nariz, mas que merda é esta, pá, quem são estes gajos todos iguais a mim ao colo da Isabel (elas chamam-se sempre isabéis, marias joões, cristinas ou sãos) ? Encorajado, porém, com o falso sorriso de confiança que a mãe e o pai lhe dirigem, lá vai ele, portão dentro, adeus, querido, porta-te bem, a mãe vem cedo, logo a seguir ao lanche... No primeiro dia quase todos (como não sabem bem, bem, o que os espera) ainda viram as caritas para trás e esboçam arremedos de sorrisos. Nos seguintes, porém, desenrola-se no seio familiar uma verdadeira tragédia grega, em vários actos e sem catarse à vista.
Conforme os feitios e as disposições, as criancinhas são levadas (algumas, literalmente, arrastadas) em lágrimas, aos gritos, aos soluços, num choque mudo ou (a pior hipótese, garanto-vos) num esforço brutal para não chorarem e não decepcionarem os pais, repetindo entredentes para si próprias: eu não vou chorar, eu não vou chorar... enfim, um tormento diário de olhos inchados, bibes ranhosos e pais desorientados, despojados de qualquer réstea de dignidade, a quebrarem as regras mais básicas de qualquer manual de psicologia infantil. Pais que não aguentam e invadem as salas, resgatando das garras das malvadas educadoras os filhos aprisionados, pais que compram um sorriso aos filhos com pernas de pau e pastilhas elásticas às nove da manhã, mães que aguardam horas dentro dos carros, mãos cravadas no volante, até uma alma caridosa vir cá fora garantir-lhes, jureumorrajáqui!, que o respectivo rebento estácalmo, arriscando processos disciplinares nos locais de trabalho, pode ir, mãe, pode ir que ele está bem...; mães que se reúnem no café ao lado exibindo, como troféus, os sorrisos arrancados na despedida, ele hoje já não chorou, só soluçou um bocadinho, pois a minha, até me disse adeus e sorriu para mim, só que vomitou logo a seguir... Bandos de galinhas infelizes que cacarejam as angústias pela manhã fora, em frente a bicas frias que não beberam (eu! eu!) e que, à tarde (depois de um dia em que não viveram e se limitaram a vegetar e a arrastarem-se pelas horas) desesperam de angústia se o trânsito as impede de estar lá às quatro em ponto, ai se o Filipe sai primeiro, o meu fica a pensar que já não o vou buscar, ai e se a educadora se vai embora e o metem da sala do lado, ai que está quase noite e ele ali... ai, ai, AI!.
Felizmente, alguns dias ou semanas depois, os miúdos resignam-se e muitos acabam, mesmo, por gostar, destarte alguns recuos e sossobros pelo meio. Mas lá que doem como o caraças, aqueles primeiros dias, que nós (e eles) nunca mais esquecemos, isso doem. Por isso, vai daqui uma ganda beijoca de solidariedade para com todas as mães e pais que, no presente ano lectivo, passam (ou já passaram, ufa!) por esta puta desta agonia.