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Controversa Maresia

um blogue de Sofia Vieira

Controversa Maresia

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...

por Vieira do Mar, em 17.11.05
doce vampiro



Há alturas em que devemos guardar as coisas boas que nos acontecem, mesmo as inexistentes, como as cascas de amendoins, as de lana caprina, os papéis de rebuçado e o cotão nos cantos da sala. Podemos tropeçar e encontrá-las debaixo de pedras, como bichos escondidos, ou, então, elas entrarem-nos olhos dentro e escarrapacharem-se-nos no coração: o meio de transporte e a forma de locomoção é totalmente indiferente, chegam sempre ao destino, onde se instalam como velhas reformadas, das que vieram para ficar. Tenho tido sorte, volta e meia, vêm coisas dessas sob a forma de pessoas por mim adentro, rebentam-me fechaduras com bazucas ou equivalente, voam sorrateiramente pelas minhas aberturas e instalam-se-me como vampiros queridos nas curvas do meu pescoço, que lambem mas não mordem, enquanto me finjo a dormir, faz de conta que nem dou pelo seu aninhar, é da maneira que me corre um sorriso ainda maior na direcção dos lábios. Quero lá saber de não ter fechadura e ficar encostada no trinco, a abanar pelos gonzos, afinal, fui às chaves do areeiro e daquelas já não havia, por isso, deixo-me ficar, de janelas abertas no gozo do fresco da noite e das coisas e dos bichos e das pessoas, facilito intrusões inesperadas, pisco o olho às corujas e outros animais nocturnos que se me poisam nas pontas dos dedos dos pés por cima do lençol e que velam por mim enquanto finjo que sonho. Lá está, tenho tido sorte: ganho mesmo quando não jogo, duplicam-se-me os feijões e as riquezas, embora não arrisque, nunca te arrisquei. Aproveito a deixa e brinco e finjo que sou eu a fingir que não te quero, nem reparei que estavas aí, nada disto existe, nada disto é fado. Só tens que ter cuidado, porque quando amanhecer o sol entra-nos pela janela e enquanto a mim me acorda da insónia, a ti,pulveriza-te em cinzas e depois sujas-me os lençóis. Mas como és uma coisa boa que eu não quero que ninguém saiba nem me apetece partilhar, mais faltava, recolherei com carinho o que restar de ti e guardá-lo-ei numa espécie de urnadaquelas cheias de vivos, dourados e baixo-relevos, digna de uma comemoração centenária. Depois, compro outra fechadura, dê lá por onde der, fecho a porta a fazer género e aguardo a surpresa seguinte, mais um golpe de sorte, coisas novas, outros mimos, de alguém que a rebentou de novo, desta vez à machadada, à paulada, com um obus, quem sabe, e se me aninhe noutro lado qualquer e me assista durante a noite, quando finjo que durmo só para ser sonhada por um outro como tu, na calada da noite, enquanto essoutro não se dissolver em pó e eu não fingir que acordo e me espreguiço para lhe guardar e selar as memórias que deixou espalhadas nos meus lençóis.

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