uma intenção de nudez
Havia uma intenção de nudez entre eles. Enquanto falavam, por exemplo. Ou o modo como ela entrelaçava as pernas quando se ria; e as mãos dele, que ou agarravam o copo para o levar à boca sem de facto beber, ou se perdiam errantes pela mesa; depois, os ombros dela, atirados para a frente, num desafio mudo como se de faca na liga. Havia uma intenção de nudez. Que pairava no ar como o aroma adocicado de um puro ou uma névoa próxima e súbita. Tóxica. Que fazia com que ele a olhasse em câmara lenta, que a apreciasse devagar em toda a extensão dos seus gestos, o anel largo que lhe escorregava no dedo, o rimel ligeiramente esborratado na pálpebra esquerda, o guardanapo que lhe resguardava a boca enquanto engolia a custo, o paladar aleijado pela vontade de outra pele. A dele. Uma intenção de nudez. Perceptível para todos, até para o empregado que evitava aproximar-se da mesa para levantar os pratos, pressentindo o despudor íntimo nos gestos retidos, na fraqueza dos olhares, nos garfos que, timidamente e sem nunca se tocarem, partilhavam um petit gateaux que não lhes sabia a nada, apenas ao travo amargo da vida uma vez mais protelada.