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por Vieira do Mar, em 11.08.06
Mais do que o betão pronto dos patos bravos e do que os manguitos generalizados ao domínio público marítimo e às reservas ecológicas, a verdadeira praga assassina da costa portuguesa, são os parques de campismo.
Durante a infância, tive a imensa sorte de ter tido pais aventureiros que me levaram a conhecer a Europa de tenda às costas e, mais tarde, de roulotte (como então se dizia e usava) Faziam-no por gosto, pela óbvia minimização do stress na procura da pernoita, pela sensação de liberdade que dava o rumo ao desconhecido e, claro, porque saía mais em conta. Durante esses périplos, designadamente pelo norte, lembro-me de parques de campismo que eram um verdadeiro luxo, com instalações sanitárias dignas de um spa e uma vizinhança silenciosa e civilizada, tudo animado de um contacto mais próximo, respeitador e autêntico com a natureza.
Aqui, em Portugal, e durante muitos anos, os parques de campismo foram o reduto de veraneio do pessoal das barracas e do T2 da Rinchoa, o território possível de lazer daquela franja mais desgraçada da sociedade: a que nem sequer almeja aos quinze dias na Quarteira ou Monte Gordo. Paradoxalmente, e porque eram edificados em cima de praias ainda desertas nas franjas das localidades costeiras, acabaram nas zonas mais paradisíacas do país, com os melhores acessos ao areal e as mais bonitas frentes de mar.
Intra muros, no entanto, são uma espécie de visão dos infernos: o reino da chanata e do avental, onde impera o sempiterno cheiro a sardinha e a couratos e se aglomeram as tendas de três quartos com avançado, complementadas com os inefáveis estendal de roupa, televisão e frigorífico (e/ou arca), encimado pelo naperon feito no intervalo da novela. São o exemplo acabado da transumância da periferia mais pobre, com tudo o que esta tem de pior, desde a falta de gosto à falta de qualidade de vida, para a beira-mar.
O campista português típico não quer o contacto com a natureza, quer mas é esquecer que, durante um mês, tem de estar obrigatoriamente perto dela. Porque está de férias em Agosto, tem trinta dias para gastar e éassim que faz desde sempre; porque o iodo faz bem ao reumático, os miúdos gostam de umas boas amonas e a Maria tem de molhar as varizes a ver se desincham, ruma à beira-mar com o gato, o cão, o periquito e a sogra, mas agarra no T2 e transpõe-o para debaixo de um oleado colorido, que ele, sem o conforto a que está habituado e as suas coisinhas, não passa. É por estas e por outras que um parque de campismo português, para além de ser um espaço feio e grosseiro é, também, altamente claustrofóbico: nos cerca de oito metros quadrados de chão que cabe a cada família, amontoam-se mobília, electrodomésticos e bibelots, numa demonstração de vaidade acumulada, temperada com laivos de competitividade inter-vizinhança.
O camping não é um espaço para o português melhor conviver com a natureza e, muito menos, para a apreciar: continua a haver futebol e novela, a Maria debruçada sobre o fogão e os tanques de roupa, as cervejas, os tremoços, as pevides e as aguardentes no café; continua a haver o cuspir para o chão e as transferências do Simão, embaladas num ressonar colectivo.
É claro que as praias propriamente ditas e disputadas por todos, os campistas e os outros, são prontamente invadidas por esta horda tonitruante e poluidora (já que limpinho, rebrilhante e a tresandar a lixívia, só mesmo os nossos oito metros quadrados...) que, por estar mais perto e ali mesmo à porta, chega sempre primeiro e abanca nos melhores spots com os seus panelões de caldeirada, as geleiras, os pára-ventos, os guarda-sóis, os transistóres e as bolas sempre (mas sempre) desviadas da sua trajectória natural. E não há como exterminá-los: por uma diária baratinha, sem gastos extra de gasolina nem problemas de estacionamento, é certo e sabido que, no dia seguinte, à mesma hora, lá estarão outra vez.
Durante a infância, tive a imensa sorte de ter tido pais aventureiros que me levaram a conhecer a Europa de tenda às costas e, mais tarde, de roulotte (como então se dizia e usava) Faziam-no por gosto, pela óbvia minimização do stress na procura da pernoita, pela sensação de liberdade que dava o rumo ao desconhecido e, claro, porque saía mais em conta. Durante esses périplos, designadamente pelo norte, lembro-me de parques de campismo que eram um verdadeiro luxo, com instalações sanitárias dignas de um spa e uma vizinhança silenciosa e civilizada, tudo animado de um contacto mais próximo, respeitador e autêntico com a natureza.
Aqui, em Portugal, e durante muitos anos, os parques de campismo foram o reduto de veraneio do pessoal das barracas e do T2 da Rinchoa, o território possível de lazer daquela franja mais desgraçada da sociedade: a que nem sequer almeja aos quinze dias na Quarteira ou Monte Gordo. Paradoxalmente, e porque eram edificados em cima de praias ainda desertas nas franjas das localidades costeiras, acabaram nas zonas mais paradisíacas do país, com os melhores acessos ao areal e as mais bonitas frentes de mar.
Intra muros, no entanto, são uma espécie de visão dos infernos: o reino da chanata e do avental, onde impera o sempiterno cheiro a sardinha e a couratos e se aglomeram as tendas de três quartos com avançado, complementadas com os inefáveis estendal de roupa, televisão e frigorífico (e/ou arca), encimado pelo naperon feito no intervalo da novela. São o exemplo acabado da transumância da periferia mais pobre, com tudo o que esta tem de pior, desde a falta de gosto à falta de qualidade de vida, para a beira-mar.
O campista português típico não quer o contacto com a natureza, quer mas é esquecer que, durante um mês, tem de estar obrigatoriamente perto dela. Porque está de férias em Agosto, tem trinta dias para gastar e éassim que faz desde sempre; porque o iodo faz bem ao reumático, os miúdos gostam de umas boas amonas e a Maria tem de molhar as varizes a ver se desincham, ruma à beira-mar com o gato, o cão, o periquito e a sogra, mas agarra no T2 e transpõe-o para debaixo de um oleado colorido, que ele, sem o conforto a que está habituado e as suas coisinhas, não passa. É por estas e por outras que um parque de campismo português, para além de ser um espaço feio e grosseiro é, também, altamente claustrofóbico: nos cerca de oito metros quadrados de chão que cabe a cada família, amontoam-se mobília, electrodomésticos e bibelots, numa demonstração de vaidade acumulada, temperada com laivos de competitividade inter-vizinhança.
O camping não é um espaço para o português melhor conviver com a natureza e, muito menos, para a apreciar: continua a haver futebol e novela, a Maria debruçada sobre o fogão e os tanques de roupa, as cervejas, os tremoços, as pevides e as aguardentes no café; continua a haver o cuspir para o chão e as transferências do Simão, embaladas num ressonar colectivo.
É claro que as praias propriamente ditas e disputadas por todos, os campistas e os outros, são prontamente invadidas por esta horda tonitruante e poluidora (já que limpinho, rebrilhante e a tresandar a lixívia, só mesmo os nossos oito metros quadrados...) que, por estar mais perto e ali mesmo à porta, chega sempre primeiro e abanca nos melhores spots com os seus panelões de caldeirada, as geleiras, os pára-ventos, os guarda-sóis, os transistóres e as bolas sempre (mas sempre) desviadas da sua trajectória natural. E não há como exterminá-los: por uma diária baratinha, sem gastos extra de gasolina nem problemas de estacionamento, é certo e sabido que, no dia seguinte, à mesma hora, lá estarão outra vez.