Começou o Big Brother Vip. Nunca escondi que sou estranhamente atraída por certo tipo de lixo televiso no qual as pessoas mostram o pior de si. Ou é a sopeira que há em mim ou um genuíno interesse antropológico (ou uma sopeira com pretensões a psicóloga, quiçá). O Big Brother Vip é, como o nome indica, com “pessoas famosas”. “Pessoas famosas” são pessoas exactamente iguais às das edições anteriores, ou seja, anónimas, que ficaram conhecidas por, precisamente, terem passado por reality shows ou tido 15 minutos de fama na tevê e revistas. A diferença está apenas no polimento. Elas são as mesmas kátias vanessas do Porto e da linha de Sintra, mas com pele e cabelos tratadinhos e vestidinhos de marca. Eles são os mesmos marcos musculados da margem sul e os mesmos gays encapotados de origens elípticas; embora todos com um discurso inicial mais contido de quem tem “uma imagem a manter” (hahaha). E depois há o zezé camarinha, esse personagem atípico e fascinante, um espécime sui generis que aparece como uma espécie de crooner burlesco, no seu fatinho imaculado e discurso respeitoso, agora a tentar deixar para trás o putcrimonskin da pila que trazia atracada a si um pescador ignorante. A Teresa Guilherme, usualmente brilhante no género, está mais grosseira que nunca, a roçar o ordinário, com as insistentes graçolas sexuais, esquecendo-se de que, apesar de quase ninguém conhecer os concorrentes (para aí a décima quinta escolha de “famosos” que se prestaram àquilo porque precisam do dinheiro e de mais “fama”), os mesmos já aprenderam qualquer coisita e não se vão desbundar logo à primeira, como a kátia márisa, que chega de além Douro, assanhada e de perna aberta porque lá na aldeia os velhos ainda preferem cabras. O interesse da coisa, então? Bom, para quem gosta de sangue, como eu, há aqui uma “esperteza” da produção que me parece infalível: primeiro, separar os “famosos” – metade numa casa ikea pseudo chique, e a outra metade num “barracão”, sendo que podem comunicar entre si, acicatando desde o início o ressaibo e a inveja. E last but not least: aquela malta conhece-se quase toda de outros carnavais. Aposto que mais de metade se odeia entre si. Quando o verniz estalar e as chanatas, as tatuagens, os sotaques e as raízes pretas dos platinados delas aparecerem, aquilo vai ser uma mistura de chuck norris (sem ofensa, sabes que te adoro, chuck!) e neo realismo italiano, fase favelas. Podem vê-lo por qualquer prisma: como instrutivo ou como puro entretenimento. Mas podem ver. Eu prometo que não digo a ninguém. Afinal, todos temos uma reputação a manter, não é? Quanto mais não seja para nós próprios.
Sai de casa dela à pressa; desprendem-se num beijo fugidio, que já lá não está e ainda as bocas juntas. Ele entra no elevador e já é outro. Atira-lhe um aceno rápido e foge com a mão antes que a porta se feche, olhando-se no espelho para se saber apresentável, compondo a alma desalinhada e a gravata torta. Sai para a rua e é já o profissional, o amante obliviente, a pegar pelos cornos a vida que escolheu para si. Deixa-a pela casa a apanhar do chão as réstias de ambos, insatisfeita e mal amada, embora tenha esboçado um sorriso doce quando ele saiu, como se fosse a mulher a encaminhá-lo para mais um dia de trabalho, até logo querido. Vai à janela fumar um cigarro, o cheiro dele ainda nos dedos que leva aos lábios, confusa com a rapidez a que o mundo, mais uma vez, se moveu sem sair do lugar. É sempre o mesmo. Um café, a conversa de circunstância, dois amigos sem vestígio de qualquer sensualidade latente, nenhuma provocação sexual, nada. Só quando se aproxima a hora de ele se ir embora é que cedem à urgência e passam de interlocutores civilizados a seres gulosos e primitivos. Sem preparo nem aviso. Só então o tempo lhes urge, selvagens. Ela fuma. Dois minutos e ele já distante, noutro continente. Nunca lhe diz nada, depois, num perverso paradigma emocional. Um dia? Uma semana? Um mês? Vai ser como ela quiser. Ou ele, às vezes. Sente uma inquietação directamente proporcional à violência com que trava e engole o fumo até à beata, que larga quando esta lhe queima os dedos. Revê-o a lavar-se à pressa, a pedir-lhe uma toalha da casa de banho enquanto ela, ainda na cama, ajeita as rendas da combinação e se toca entre as pernas húmidas, sem tesão nem intenção, apenas porque espera. Segue-o enquanto ele se veste, com olheiras de carneiro mal morto, ofuscada pelo sol da manhã que teima em tirá-los do escuro onde deveriam ficar para sempre. Não deviam nada. Cai-lhe uma alça como um bater de pestana, olha para os pés, escolheu o verniz errado, solta-se-lhe um fio de cabelo emaranhado. Pensa no beijo maldoso com que ele lhe entrou em casa, de revés, ao canto da boca: um prelúdio de promessas que não pretendia cumprir. Azar. Sente-se estranhamente fria, nada lhe dói, anestesiada ainda. Acaba de sorver o terceiro cigarro e telefona-me. Tem a voz calma, vagamente jocosa.
- Sofia?, pergunta-me.
- Oi! Estás bem?
- Sim, mas vamos almoçar outro dia.
- Porquê?
- Porque hoje não fiquei triste e vou ficar a pensar no porquê disto o dia todo.
- A pensar nele, queres tu dizer...
- Não, não é isso, desta vez foi diferente.
- …
- Nesse caso, liga-me logo à noite quando te cansares de chorar.