por Vieira do Mar, em 09.04.12
Fazendo um zapping entre foxes e axenes, descobri um programa extraordinário: "toddlers and tiaras". Já desconfiava que fosse sobre aqueles inenarráveis pageants com crianças, que se realizam América fora, mas resolvi espreitar e descobri a demência. A demência dos concursos em si mas, principalmente, a demência daqueles paizinhos.
A aberração divide-se por idades e começa pelos bebés. Pintadas como palhacinhas, vestidas com desconfortáveis folhos e cetins, cabelos armados cheios de laca, enfeitados a enormes fitas e flores, as crianças parecem marionetas tristes, assustadas com o barulho das luzes, ao colo das mães babadas que lhes pegam nas mãozinhas para acenarem ao público.
Há várias categorias: os olhos mais bonitos, o cabelo mais bonito e por fim, a vencedora. Depois as dos dois anos. Metem dó. Ainda tropeçantes e sem qualquer consciência do que estão a fazer, mais uma vez tão pintadas e encaracoladas e acetinadas que parecem aquelas bonecas de porcelana escondidas nos sotãos que, invariavelmente, se mexem sozinhas porque contém espíritos malignos e assustam toda a gente, passeiam-se de mão dada pelas mães como cãezinhos à trela numa exposição, bem escovadas e, no geral, bem treinadas. Uma leva uma sapadela subtil porque meteu o dedo à boca, para o chuchar. Dois pontos de penalização.
Nas dos cinco anos já a coisa começa a roçar a violência infantil e o abuso sexual. Literalmente empurradas para o palco, entregues a si mesmas, com fatos sexy de adultas, muito trashy, sapatos com salto, parecem umas pequenas prostitutas a quem lhes foi dito que abanassem as ancas o mais possível e que colassem os sorrisos à cara (uma das mães, aliás, di-lo literalmente). O mesmo se diga das dos sete aos nove anos, onde concorre uma pequena badocha de tratamento caseiro que não tem qualquer hipótese contra as outras concorrentes, tubarões profissionais há anos nestas coisas e que carregam atrás de si, além de mães e pais tarados, uma equipa de cabeleireiras, maquiadoras e treinadoras de postura.
A crueldade daqueles pais rústicos ao meterem a miúda simplória no meio daqueles cânones de beleza futura é insuportável de se ver. Sem qualquer treino, tropeça nos sapatos, anda pelo palco como uma patarata até o sofrimento (dela e nosso) acabar e dar lugar à entrada de uma call girl em ponto pequeno, já um bocadinho arredada da inocência, certeira nos requebros, nos piscar de olhos sensual, no chamamento da multidão com um gesto de assédio de cariz sexual. Estou à beira do vómito.
No fim, as entrevistas. A badocha, desiludida que mete dó, agarra-se aos anormais dos pais, que choram com ela, em vez de a animar. Desiludiu-os (como não o poderia?) e eles cobram-lhe por isso. Cabrões. As dos bebés exibem as suas assustadoras bonecas de porcelana, alisando-lhes os folhos dos vestidos para a fotografia, e as de 5 e 9 anos, com arremedos de auto-determinação, apressam-se a libertar-se dos saltos e dos vestidos, enquanto se queixam de que lhes doem os pés, algumas nitidamente cagando e andando para se ganharam ou perderam.
Tudo isto se passa num dos maiores países do mundo, anquele que manda em quase todos os outros, os US of A. Eu sei que é um país de contrastes e tal, que enquanto descobrem a cura para o cancro, em liceus do interior darwin é proibido e eva nasceu da costela de adão, mas porra, se dão 25 anos a perpétua a um gajo que roubou, se obrigam os agressores sexuais que cumpriram pena a afixar pela vizinhança quem são e o que fizeram, como admitem este tipo de violência infantil, pornográfica, que força as miúdas a fingirem uma maturidade sexual que não têm, uma idade que não têm, como se os paizinhos e a tropa que se move à volta daqueles concursos fossem simples voyeurs excitados?
Podemos ser atrasadinhos, pobres e comidos sucessivamente pelos governos, pelas troikas, alheios ao nepotismo - uma carneirada silenciosa, vá. Mas cá, facilmente encaixaria esta merda num ilícito criminal ali algures pelo Capítulo V do código Penal, garanto-vos.