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Controversa Maresia

um blogue de Sofia Vieira

Controversa Maresia

um blogue de Sofia Vieira

conseguida a custo *

por Vieira do Mar, em 15.02.12

... a entrega temporária dos miúdos, encontram-se a meio caminho entre a casa dos avós e o escritório dele. Acorrem sem pressa à bilheteira e aceitam sem reclamar as sobras que a mulher sisuda do lado de lá do vidro lhes impõe. Afinal, é segunda-feira e chegam atrasados, não têm por que se queixar. Dão por eles nos lugares mais escondidos da sala mais recôndita de um megacomplexo recém-inaugurado, enfronhados no pesadelo neurótico-estático de um realizador nórdico muito premiado. Mergulhando os dois as mãos no balde das pipocas, lembram-se daquela vez em que aterraram também de chofre nos delírios onanistas de um outro realizador, este francês (só podia!), o que lhes vale um ataque de riso seguido de um chiuuu! sibilado do outro canto da sala. Parecia que, de cada vez que tentavam fugir, por uma hora que fosse, da esquizofrenia do seu próprio quotidiano, o acaso trocava-lhes as voltas e contemplava-os com a esquizofrenia dos outros, esparramada num ecrã gigante. Não é que achassem aquilo mau, aliás, quem eram eles para criticar o chamado cinema de autor, eles, soberanos incontestados das matinés walt disney presents. Mas fazia-lhes espécie, aquela ausência de ruído das emoções dos personagens, que os obrigava a deitarem-se a adivinhar. Às tantas, algures entre um divórcio e uma tentativa de suicídio filmados em tons sépia, ele sussurra-lhe, o que me apetecia mesmo, mesmo, era um big mac... Ela sacode uma pipoca colada no canto da boca e, sem se dar ao trabalho de fingir-se enjoada com a sugestão, como teria sido politicamente correcto, atira-lhe um sintético, bora!. Enquanto, no ecrã, a neve cai e os personagens se abrigam em monólogos que se pretendem diálogos, eles dão-se as mãos pegajosas, levantam-se e furam sem cerimónia a circunspecta fila, deixando atrás de si um lastro de desculpas não aceites. No corredor e a caminho da porta, por entre fiapos de escuridão e luz, ela arrisca, queres namorar comigo? Ele entra no jogo, está bem mas só esta noite. Acabam empoleirados em dois bancos altos de fórmica, rodeados de putas e chulos, a lamber ketchup dos dedos e a recordar episódios do Seinfeld. Nessa noite, não pediram três happy meal com cheese natura, dois para rapaz, um para rapariga. Mas arrecadaram o brinde.

 

* dado que me apagaram o controversa no blogspost vou fazer de vez em quando reposts dos meus textos mais antigos.

Aos...

por Vieira do Mar, em 14.02.12

Aos que namoram  e acabam todos os dias e à vez, presos nos desmandos conciliatórios da juventude; aos miúdos que limpam o ranho com o bibe enquanto espreitam a miúda loura que dá uma cambalhota no recreio; aos que têm medo de se aproximar delas, às que têm medo de se aproximar deles; aos que se uniram pela primeira vez, num amplexo furtivo e desajeitado; aos que precisam de respirar o mesmo ar senão  morrem;  aos que já se uniram tantas vezes que sabem descrever o outro no escuro; aos que estão apartados, e usam o twitter, o face e os chats e que com as palavras se juntam; aos que se chateiam e partem pratos, e gritam e choram e depois se lambem as lágrimas; aos casais presos por um fio; às almas gêmeas separadas pelos atritos do dia; aos que se oferecem peluches foleiros e aos que os recebem como se diamantes;  aos casais roliços que passeiam de mão dada no shopping com fatos de treino a condizer; aos velhotes rezinguentos, que se amam negando sempre  a razão ao outro, em intermináveis arrazoados, que só eles entendem;  aos que se dão um beijo cansado à noite e no entanto adormecem entrelaçados; aos casais com filhos pequenos, que hoje jantam em casa mas não se importam, porque o mundo que aí vem é todo deles e da sua descendência;  às putas que amam os seus chulos, aos chulos que hoje lhes levam flores; às glorinhas à janela que beijam sentidas o seu príncipe imaginário; aos que acham que casaram para sempre, aos que casaram mesmo para sempre;  às mulheres que levam aos maridos as amigas para a fantasia a três; aos maridos que não vão tão longe e se ficam pela lingerie comestível; aos  viúvos que dormem abraçados ao cheiro  de quem se lhes morreu; aos casais entediados que acordam a meio da noite quando o outro tosse ou espirra; aos velhos que não contrariam as mulheres quando estas confundem a filha que os veio visitar com a empregada da casa;  às mulheres que mudam as algálias aos maridos e lhes dão a comida à boca e não lhes largam a mão enquanto eles fazem diálise; aos homens que não viram costas quando as mulheres lhes moem o juízo com aquilo que não entendem; aos  que por acaso ainda não se cruzaram;

 

às caras-metades que (ainda) não sabem que o são...

 

Um Feliz Dia.

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