maminhas, salomão e perfume de bebé

Esta noite (melhor, esta manhã, depois de uma insónia dolorosa), sonhei que tinha tido um bebé e que estava a dar-lhe de mamar, num festim abundante. O sentimento primário era de aflição pois, tal como na vida, estava divorciada e o pai (primeiro, o pai dos meus filhos, depois, e à medida que o sonho avançava, figuras masculinas indistintas que se sobrepunham para me exponenciar a aflição), queria partilhá-lo - uma coisa tipo guarda conjunta, já não sei bem. O pressuposto salomónico provocava-me um desespero danado e eu, no meu absurdo onírico, só pensava em como o pai o iria alimentar quando o tivesse, se eu lhe estava a dar de mamar. Acordei num choro interior convulsivo e gutural, sem lágrimas, afogada em soluços secos e fiquei a olhar para o tecto, a racionalizar e a pensar que não deveria ser alheio ao sonho o facto de ter tido uma amiga que teve um bebé há poucos dias e de, ao pegá-lo, ter revivido por todos os meus poros aquele cheiro que só os recém-nascidos têm. Isso, e a ideia de partilha, um conceito nobre que ultimamente me preenche a vida e que adquiriu, pela força das coisas, uma conotação pejorativa de corte, separação, ganância e metades desavindas. Tudo é muito bonito até deixar de o ser. Levantei-me, lavei a cara, deitei-me e adormeci de cansaço, voltando a pegar no sonho exactamente onde o havia deixado, o que muitas vezes me acontece. Imagens de maminhas leitosas, beijinhos e abraços possessivos, a par com sensações de medo e de perda, que ninguém me o tira que eu não deixo. Que bebé tão meu, aquele! Não sei se era menino ou menina nem como se chamava, sei que era meu, um prolongamento de mim: era eu. Levantei-me, fui à minha vida mas passei o dia a pensar nele e no cheiro vivo que dele emanara: uma mescla do cheiro de todos os bebés que já tivera nos braços, com o dos meus filhos depois do banho, misturado com o da eau de toilette Mustela, do lait da Tartine et Chocolat ou com o da velhinha Johnson´s Baby (o melhor). E o cheiro perseguiu-me: pelas ruas de Lisboa, no escritório, pelas lojas onde entrei. Hoje quis imperiosamente um bebé só meu. E, mais do que os últimos estertores do relógio biológico que adianta e atrasa no meu subconsciente, o que se passa é o custar-me vê-los crescer calcorreando o longo caminho que nos separa a mim e ao pai, andando por vezes para cá e para lá em terra de ninguém, sem serem verdadeiramente dele, nem meus.