no reservations
Estava eu a ver um dos meus programas favoritos, o "No Reservations" do Anthony Bourdain, quando me apercebi de que, a cada cinco minutos, aparecia um aviso para que os pais tivessem cautela com o visionamento do programa por parte das crianças, não me recordo agora da exacta expressão em inglês. Fiquei intrigada, uma vez que se trata de um inofensivo programa de viagens e de culinária, em que ele anda pelo mundo fora, com a mulher e a filha (pelo que percebi), de casa em casa, de quinta em quinta e de festa local em festa local, a provar as especialidades de cada zona. Neste caso estava em Itália, a deliciar-se com umas comidas divinais, numa paisagem de sonho. Depois percebi porquê. Sendo um programa inicialmente dirigido à sociedade norte-americana (presumo), na qual as crianças pensam que os animais saem das fábricas directamente para os seus pratos, higiénica e inocuamente, o acto de esfolar um coelho ou de cortar um borrego em pedaços pode ser uma verdade maior do que aquela que eles conseguem suportar. O princípio pode ser chocante: uma das miúdas da quinta onde eles estavam, acariciava um coelho amoroso no colo enquanto todos comiam coelho guisado. E a conversa evoluiu naturalmente para o facto de só cozinharem animais que eles próprios haviam criado, e que aquele coelhinho também iria eventualmente parar à panela. A "promiscuidade" entre animais e as pessoas que os vão comer é ali inevitável. Isto, para uma criança norte-americana (excepto, imagino, as criadas no campo), impressiona: a ideia de se comer o animal de estimação, e a consciência de que afinal a comida não aparece como que por magia enlatada e empacotada nos supermercados, coberta de gravy para que nem se perceba o que é, mas que, quando comemos um animal, este já passou por um processo violento e ancestral (mais ou menos mecanizado) em que algo ou alguém teve de o matar, esfolar, eviscerar, etc. Às vezes, é nestas pequenas coisas como um aviso a cada cinco minutos, que nos apercebemos de que, apesar de tudo, e da tendência que existe para uma uniformização cultural a nível global que passa também pelo que se come, ainda existem algumas diferenças entre os EUA e velha Europa.