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Já o disse aqui e repito: sou a favor do casamento entre homossexuais e contra toda a espécie de discriminação de pessoas de bem. Posto isto, confesso que não entendo o enorme sururu, com direito a petição e tudo, a propósito de um teste de um professor da FDL, de conteúdo absurdo e aparentemente "discriminatório". Parece que a dita petição teve origem num grupo escandalizado de alunos, quando confrontados com o enunciado do mesmo. Eu, se este me passasse pelas mãos, garanto-vos que arranjaria argumentos tanto contra como a favor daquele absurdo... e faria um brilharete. Independentemente da parvoeira latente - ou talvez por causa dela - estamos perante um enunciado que puxa ao malabarismo jurídico: é preciso ser-se muito bom para defender aquilo. Mas lá que é perfeitamente defensável, é. Basta conhecer as leis que nos regem e instrumentalizá-las, interpretando-as depois como melhor nos convém, ou seja: como melhor convém às nossas convicções, aos nossos preconceitos ou aos nossos clientes. O Direito é isto mesmo, meus amigos, e quem não o entende, francamente, está no curso errado.
As autarquias de esquerda, em especial as comunistas, têm um gosto horrível no que concerne à arte pública e ao mobiliário urbano. Eu não tenho qualquer explicação para isto, mas vou tentar (what´s new?). As rotundas (e o que eles gostam de rotundas!) são quase sempre delírios de fúria criativa artesanal, de artistas sem génio mas com cartão vitalício do partido ou, então, primos ou amigados de alguém do mesmo partido. Que concebem coisas retorcidas em aço e pedra que supostamente representam os símbolos da "terra" e as forças vivas da região, cubos de cimento e tumores gigantescos de relva que tapam qualquer visibilidade e que tornam a entrada e saída das ditas rotundas numa espécie de roleta russa, completamente às cegas. Mas pior são os jardins. Estes novos jardins, meu deus!, são sítios onde não apetece estar. Imaginados (?) por gente que não dá valor ao lazer, ao ócio, ao pipilar da bicharada: em suma, à função de refúgio que os jardins devem ter dentro de uma cidade ou vila. Agora estão na moda os descampados imensos, e verde, só se for relva, sendo que os arquitectos paisagistas teimam em plantar árvores ainda em tamanho de arbusto, a um metro uma das outras para ficar "bonitinho", só para mais tarde terem de ser arrancadas, quando se começam a estrangular umas às outras pela raiz ou pelas copas. Os bancos são invariavelmente paralelipípedos de cimento sem costas, o que dá muito jeito às cruzes dos pobres velhinhos, que são os principais clientes dos mesmos, pois gostam de apanhar solinho uns com uns outros enquanto se queixam da vida. Para aquela gente, a função de um banco de jardim não é permitir o relaxe nem o descanso, claro; e qual anatomia, qual quê: vê-se mesmo que imitaram uma merda qualquer que viram numa revista estrangeira de arquitectura, construída num país do norte da Europa, daqueles sem sol nem arabescos, mas com muito frio e muitos ângulos rectos. E as fontes? Oh, quanto haveria a dizer sobre as fontes! É certo que não precisaríamos de uma Fontana di Trevi em cada freguesia, mas há necessidade de pôr águas invariavelmente mal-cheirosas a escorrer e a jorrar de sólidos geométricos de betão? Seria assim tão demodée, tão fascista e reaccionário, fazer qualquer coisa para gente de verdade e, já agora, com figuras reconhecíveis e não abstractas? Com pessoas, por exemplo? Animais? Se calhar, sim, seria: afinal, todos sabemos que reproduzir a forma humana, ou outras já existentes na natureza, é difícil: há que ter olho, arte e aquilo a que se chama "motricidade fina". Lembro-me sempre da história daquela senhora, natural de uma aldeia que conheço bem, que esculpiu o famoso "cauteleiro", e que só é famoso porque pespegaram com ele no Largo da Misericórdia. A dita senhora, um exemplo acabado de falta de gosto e talento, é sempre recebida com pompa e circunstância quando regressa à terrinha, e parece que até já doou mais uma ou duas das suas obras para compôr a paisagem urbana local. O que é chocante. Quem já viu de perto o "cauteleiro", quem já andou por ali pela misericórdia e olhou aquela amálgama mal-parida de bronze, percebe esta minha indignação, juro que percebe. Por isso, artistas/paisagistas/irmãos de presidentes de câmara ou filhos de presidentes de junta, amigados de todos os tipos, desde que conservadores e da velha escola, apologistas do banco de jardim de ripas anatómicas, dos repuxos e das fontes em pedra, das árvores de copas grandes e frescas, e de um ou outro apontamento neo-clássico sabiamente disposto por entre o verde: ao Poder, já!
Agarro-me ao dia com unhas e dentes, e tento passar de raspão pela noite. A noite é um trapézio sem rede, um cadinho de diabos à solta e, nela, os meus medos são ancestrais, gerados no princípio do mundo. Sei que as coisas não são as mesmas no escuro. Ensinam-nos de pequenos que são, mas não: esta cama não é apenas um colchão ortopédico assente num estrado encostado a uma cabeceira florida: é uma eira de mágoas e um amontoado de vigílias.
Estar de férias e sem (quase) nada que fazer também tem as suas desvantagens, designadamente, apanhar inopinadamente com os programas da manhã na televisão portuguesa. Desta vez, calhou-me o da Rita Ferro Rodrigues. E eu, que até nem tinha má impressão da pessoa, e que achava que todos temos que fazer pela vida, que remédio, fiquei chocada. O tema: a condenação da condutora que matou, por negligência, duas pessoas no terreiro do Paço, a três anos de prisão efectiva. Quem conhece os meandros dos tribunais e das sentenças judiciais sabe que esta condenação, por um clime negligente (ou três, neste caso, em cúmulo), é uma brutalidade. Em termos relativos, claro, não estou a falar da justiça ou não da decisão em termos absolutos e retributivos. Mas RFR insiste em dizer que lhe parece "muito pouco", ideia que repete à exaustão perante o filho de uma das vítimas. De seguida, passa à crucificação pessoal da condenada, atacando-lhe o carácter, confabulando sobre o que lhe terá (ou não) passado pela cabeça e o que terá (ou não) sentido, mostrando um total desconhecimento quanto à diferença que existe entre agir com negligência e agir com dolo. Qualquer pessoa que conduza e que tenha tido acidentes graves sem razão aparente, mesmo que no cumprimento das regras de trânsito e na posse de todas as suas faculdades mentais (como foi o meu caso), sabe que shit happens e tem algum rebuço em julgar alguém numa situação destas de ânimo leve e em chamá-la de "assassina". Pelo menos, tende a deixar a parte jurídica para os tribunais (que, sim senhora, deverão condenar caso se prove o que houver a provar, como parece ter sido o caso), abstendo-se de julgamentos morais em público, mais adequados a conversas de café nas quais se exerce a ligeireza intelectual por mero desporto, em frente a uma imperial. Mas RFR armou-se em carrasca, ainda por cima de alguém que não se estava ali para se defender, o que me pareceu uma baixaria. Porque se a intenção dela foi apelar à vindicta privada e à revolta familiar e popular, pois no que me concerne o tiro saiu-lhe pela culatra: sem querer, dei por mim a criar empatia com a condenada e a sentir exactamente o inverso pela apresentadora.
De há uns anos a esta parte, é sempre a mesma coisa: as montras das lojas de roupa espraiam as suas colecções de Primavera, invariavelmente uma espécie de moda trashy suburbana que cuida de que as miúdas, com os poucos euros de que naturalmente dispõem, mantenham o look lil´slut. Olha-se os manequins e aquilo é tudo à base de muito poliester colorido e de muita ganga carcomida: ele é a meia pelo joelho à colegial muito naughty, o soquete com a sandália de salto alto com o dedão a espreitar (vómito), o mini kilt por cima das leggings (sim: odeio leggings), uma profusão de echarpes rafeiras e desbotadas a enforcar pescoços impossivelmente magros, umas correntes presas nos cintos grossos à gangue da cova da moura, uma luvas sem dedos que aquilo nem a Madonna há trinta anos, uma data de coletes manhosos sobre blusas enxovalhadas, e folhos, muitos folhos: uma folharada que aparece por todos os lados, mas que tapa quase nada. Manequins que, entretanto, têm alvas perninhas de alicate com joelhinhos ossudos metidos para dentro e umas boquinhas semi-abertas com ar de quem tanto pode estar a lamber um chupa de morango como a preparar-se para um broche ao transeunte mais próximo. Detesto. E não é por causa do broche, nem do apelo que se faz a um modelo de juventude entre o debochado, o desleixado e o anoréctico: todos sabemos que a perversidade feminina é inversamente proporcional à idade, e que na verdade atinge o seu expoente quando ainda somos lolitas - e não quando temos de começar a negociar e a contemporizar porque só a beleza já não nos chega para podermos ser cruéis. É porque põe as miúdas menos giras e lhes dá um ar vulgar e standardizado: podiam parecer putas, mas umas putas engraçadas e com bom-gosto, tipo Julia Roberts depois de o Richard Gere a mandar às compras com o cartão de crédito dele (sem o espavento do Rodeo Drive, é certo, e sem os calções-saia dos anos oitenta, graças a deus). Assim, andam todas igualmente mal-vestidas, parece que atacam todas na mesma esquina e que apanharam todas a mesma DST. Malditas bershkas, stradivarius e quejandas, que insistem em standardizar a vulgaridade adolescente, o mau gosto e a péssima qualidade dos tecidos, que (ainda por cima) nem aguentam a merda de uma centrifugaçãozinha.
Volto ao blogue, só eu e com os meus botões. Dantes desconfiava, mas agora tenho a certeza: as pessoas que persistem nisto, diária e profusamente, são criaturas solitárias, por necessidade ou por vontade. Aqui não há ninguém para ninguém: há um talvez alguém que aparece, alguém que não seja doido, nem troll e que até perceba os nossos pontos de vista - esquizóides, deformados, fora deste mundo, cheios de rancor por só meia dúzia nos lerem enquanto achamos que temos toda a razão do mundo, mas não há quem nos ligue, foda-se. Volto só, mas agora tenho a certeza, pois enquanto o amor tomou conta de mim como uma ama-de-leite: extremoso e excessivo, a alimentar-me o corpo como a loba de roma, eu não tive nada para vos dizer. Nada. Aqui corre-se só: maratonas de palavras, noites insones, bilhetes privados, bocas, espadalhadas políticas, amorosas, familiares. Ninguém nos segura o ombro enquanto, pela noite fora, achamos que escrevemos o melhor e mais interessante post do universo. Quando perdemos tempo aqui, há alguém que nos perde noutro lado. Que não se diverte como nós, que nos esmiuça a gramática a tentar conhecer aquela ou aquele que lhe escapa sorrateiro aos lençóis para vir fazer-se ler. Para estar só. Por isso voltar a escrever não é bom. Volta com isto a puta da melancolia que se esfrega no focinho dos desasados e volta a ironia, que a enxota temporariamente para longe. Sinceramente, o que eu queria era cama suada pela noite dentro e espreguiçadeiras alancadas do ikea, o mar a perder a vista e eu a fingir que era da maré vazia e não da etar subdimensionada. Preferia não ter nada para vos dizer, levar a minha desinformada opinião a outros quadrantes, e ser toda uma alegria que não se escreve nem sequer se menciona para não estragar, tratada nas palminhas, com vozes baixas de monges reclusos, só pequenos ecos nas paredes de pedra, a ser docemente mexida, mexida, mexida, sempre na mesma direcção para não talhar. infelizmente, volto ao blogue porque estou só e quando se está só ganha-se esse vício doentio da auto-análise, de se olhar para dentro, de procurar nas entranhas alguma justificação para a vida, motivos de riso. Parece pois, minha pouca meia dúzia de leitores inexplicavelmente ferrenhos que ainda por aí pululais, à mingua da minha escrita, que estareis com sorte. Neste momento, preciso da companhia das palavras como de pão para a boca. E de um bom bloody mary, mas isso está mais difícil.
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