carne assada
Temos, então, os amantes. Amantes no sentido literal do termo e não no clandestino. Ele debruçado nela, num vaivém espacial, cada vez mais rápido, frenético, ele o homem bala, o senhor incrível, o inspector gadget. Por fim, dá-se o big bang e há um universo que se expande, uma explosão nuclear no atol, um meteorito que cai e extingue os dinossauros, crateras no corpo que se abrem, a pele rasgada de gozo e tudo neles bate palmas, plateias inteiras de pé. E há gritos que rasam a pintura da parede nova, deslizam pelo chão, escoam-se pelas frinchas e abafam um trrrriiiiiiim metálico, de alarme, que se ouve por uns segundos na casa, noutro lado da casa, talvez na cozinha. Momentos depois, e o corpo dele amolece, agora tombado no dela; as mãos de ambos descolam-se a custo e, aos poucos, o olhar circula em volta, preguiçoso: ali uma meia caída, uma bota amarfanhada no canto, o jornal da uma na televisão, a porta da rua a bater, o telemóvel que acende a luz de mensagem. Há a consciência a desemaranhar-se e há um latejar que esmorece. Regressa a visão periférica: o mundo já não é só o outro. As coisas reclamam de novo os seus lugares. E é então que ele, quando ela ainda se esfrega e desenrosca, lhe apanha o ouvido a jeito e lhe diz: "Bom, acabámos ao mesmo tempo que a carne assada."
