idebus fodere, insensíveis de merda
O caralhinho da moda dos casacos de peles verdadeiras voltou, ainda por cima agora acessível às manicures e às sopeiras. Ou melhor, dantes também eram as manicures e os sopeiras que as usavam, mas só as que entretanto haviam sacado um gajo rico ou qualquer outro meio de fortuna fácil que implicasse uma forma de elevação que não a espiritual. Pois, dizia eu, não há hoje H&M´s, Zaras, Cortefieis e Mangos, que não tenham, na sua colecção Outono-Inverno, o casaquito de raposa, de chinchilazita, de marta, quiçá de zibelina. Mil a dois mil euros a pagar em três prestações sem juros, baratinho sem dúvida, as peles quase de certeza de origem chinesa, como actualmente é chinês quase tudo o que se encontra nas grandes cadeias de moda, das lycras, às gangas e às sedas. As etiquetas dos casaquinhos têm ainda o desplante de nos garantir que os animais foram criados em quintas especialmente controladas para o efeito, como se isso fosse uma coisa boa, uma garantia de não-maldade para com os bichos. Vai-se a ver, e qualquer dia aparece escrito como nos créditos finais de alguns filmes, no animals were injured during the making of this film. Neste caso, coat. A crueldade tem agora um cheirinho acetinado a UE e vem certificada e garantida em papel crepe, num toque de finura hipócrita para engodar as papalvas. Desprezo-os a todos. Aos miseráveis que andam à paulada aos animais e que os esfolam vivos (uma chinchila pelamordedeus! eu já tive uma chinchila em casa, o bicho até vinha ao nome!), aos cabrões que lhes pagam uma ninharia pelo trabalho sujo, aos intermediários e aos donos das grandes cadeias de roupa que lhes compram o produto final mas, mais do que tudo, às parolas nova-ricas (ou nem isso), que se enfornam excitadas nas suas péis, as unhas muito encarnadas na ponta dos dedos que transbordam cachuchos comprados a prestações à espertalhona que vai uma vez por mês à repartição pública onde trabalham impingir-lhes mais uns quantos e recolher os cheques pré-datados, a acariciarem as dezenas de bichos mortos que carregam no lombo com um gozo quase erótico, as taradas. E depois, a questão estética: quem é que se quer parecer com uma chinchila gigante e prenha? Sim, porque um casaquinho de peles insufla qualquer uma para além do limite do aceitável, e algumas dessas pacóvias oxigenadas quase nem conseguem passar às portas, de tão inchadas que ficam com aquilo em cima. Portanto, e resumindo: milhões de animais são criados e mortos em sofrimento para que alguns milhares de dondocas ocidentais descerebradas se pavoneiem nos centros comerciais, nas missas e nos casamentos das afilhadas. Há poucos anos, com a divulgação das focas a serem mortas massivamente à paulada e vídeos quejandos, as peles de muita gente civilizada mas que andava distraída foram guardadas nos armários e transformadas em festim para as traças. Os casacos de pele passaram apenas a ser usados envergonhadamente por gente que sabia por alto como eram feitos, embora esse conhecimento não fosse suficiente para lhes debelar a vaidade. O comércio de peles tornou-se algo um pouco marginal, feito nas lojas da especialidade, onde os construtores e empresários despejavam as esposas dos seus BMW e Mercedes e ficavam no parque à espera da conta. O súbito afluxo de casacos de peles verdadeiras às grandes cadeias de moda e a sua consequente acessibilidade à populaça desinstruída mas com algum poder de compra (aka, a classe média), a par com a massificação da indiferença perante a crueldade para com os animais, representam obviamente um retrocesso civilizacional trágico.