inveja
Ando cheia de inveja do amor dos outros. Invejo, por exemplo, o casalinho obeso que passa por mim de mão dada; ela, com um top de riscas horizontais que lhe alarga ainda mais a cintura indefinida, a lambuzar-se num corneto de morango; ele, o cabelo oleoso laboriosamente puxado para trás, os calções por baixo do joelho, atarefado a lamber a colherzinha com que rapara o copo do epá, entretanto atirado para o chão. Passam por mim deixando no ar um ligeiro perfume a alegria simplória e a essência barata, e afirmam-se orgulhosamente como um só aos olhos dos outros, fazendo coincidir o clap clap clap das chanatas que arrastam nos pés inchados, cobertos de dedos gordos e pequeninos. Olho-os com a raiva que só os que já amaram e foram um dia muito amados conseguem sentir: é uma espécie de despeito, misturado com uma sensação de perda e de luto. Vejo-os afastarem-se, os traseiros pesados numa coreografia deselegante, e penso que dava tudo para que alguém me agarrasse assim de novo a mão, como quando não reparamos que nos estão a dar a mão e há apenas aquele difuso bem-estar que advém de tudo encaixado nos devidos sítios e de a brisa, na cara. No fundo, é isto: não ter noção da felicidade que se sente naquele preciso momento, não saber sequer que tem esse nome, e não reparar no suor que escorre por entre os dedos do namorado, que apertam os da namorada com um orgulho rechonchudo, desafiando o mundo em geral e a brisa na cara em particular.