engano continuado
Há um conceito em direito penal muito controvertido que é o do crime continuado. Significa mais ou menos que, quando o agente é confrontado várias vezes e de forma seguida com a mesma solicitação exterior, por isso incorrendo repetidamente no mesmo tipo de ilícito, a lei considera que ele comete, não vários, mas apenas um crime que se prolonga no tempo, vendo assim atenuada a sua culpa. Da mesma forma, existe o engano continuado, que aparentemente não é uma filha da putice tão grande como inúmeros enganozinhos pequenininhos, porque o agente se limita a reagir sempre da mesma forma perante a tal solicitação exterior. No caso, esta mais não é do que uma predisposição da vítima em ser ludibriada, uma e outra vez. Muitas vezes, não é por ser estúpida, mas porque quer muito acreditar em todas as mentirinhas que lhe vão sendo despejadas em cima: porque está carente, porque é boa pessoa, porque não tem mais nada que fazer, porque acha que do agente até pode advir qualquer coisa boa se raspar bem lá no fundo. Tal como na ideia de crime continuado, o engano continuado assenta num pressuposto nunca confessado nem admitido, o da provocação, ou seja, a de que o enganado, ao não cessar fazer cessar o engano, ao não abrir os olhos e ao continuar a pôr-se a jeito, está mesmo a pedi-las. E, apesar de me repugnar esta ideia de transferência parcial da responsabilidade para a vítima ou para uma situação externa ao próprio agente, não deixa de ser verdade que pode haver um estranho e doce prazer em deixarmo-nos levar numa mentira que se prolonga no tempo e que assume diversas matizes a cada vez que, sem a necessária convicção, tentamos fugir-lhe.