"(...) Eu, infelizmente, não pude ir. Também não ia lá fazer grande coisa, dado só ter uma pergunta para fazer ao Engenheiro José Sócrates: "Está tudo bem, engenheiro?". Outra coisa que me desadequaria ao local era a violência com que todos estavam compenetrados naquilo. Não tenho capacidade de concentração suficiente para estar naqueles locais; normalmente consigo estar atento só o equivalente ao tempo que medeia entre a Sharon Stone se ter sentado na cadeira até que se lhe vê a rata. (...)"
Maradona(who else?), a propósito do encontro entre bloggers e Sócrates.
Ter um filho de 13 anos que toca guitarra e é doido por rockalhadas dos anos oitenta deu nisto: fui arrastada sem dó nem piedade para o concerto dos Eagles no Pavilhão Atlântico. A função até correu bem, muito profissional, uma data de homenzarrada cheia de rugas mas com energia para dar e vender, muita guitarra eléctrica gira (gosto de guitarras eléctricas, deve ser qualquer coisa sexual, Freud explica), uns efeitos especiais totally eighties (nem faltou a famosa luz negra) e um Hotel Califórnia cantado em coro com o puto que me deixou de lágrima à espreita. Porque eu a lembrar-me que devia ter a idade dele quando decorei aquilo tudo, cantava-o pelo Campo Grande fora com as minhas amigas, a caminho de casa, o papel com a letra rabiscada na mão, warm smell of colitas, sem saber o que seriam colitas, talvez flores?, e de imaginar a história daquele hotel como um filme de terror, dali nunca mais se saía, uma coisa assim tipo Bates Motel (sim, na altura dava muito Hitchcock na erretepê). E, hoje, trinta anos depois, ele a meu lado de olhos fechados, a cantar e a dedilhar uma guitarra imaginária, e eu a pensar que uma canção, por mais que passe de modo exaustivo em todas as rádios comerciais até quase se tornar música de elevador, tem de ser muito boa para resistir assim ao tempo, para passar de mãe para filho sem qualquer testemunho de permeio. E é assim, é isto a que me refiro quando falo de felicidade: um momento fugaz que se vive num refrão gritado em conjunto e em dois sorrisos branqueados pela incidência da luz negra, such a lovely place such a lovely face.
sobre "Leite Derramado", aqui. A não perder (embora fosse dispensável ter ficado a saber que não leu "Memórias Póstumas de Brás Cubas" : parece que afinal nem mesmo ele é perfeito).
deste blogue. Já aqui o tinha dito mas, por distracção, apenas constava da lista de links do Atrevido. É dos poucos cuja escrita me desconcerta e incomoda, por isso tomo-o com moderação, indo lá poucas vezes. Revejo-me demasiado naqueles interlúdios conjugais, na indiferença silenciosa que atravessa as intimidades estabelecidas, no mecanicismo convivial das relações familiares. Quando o leio, espreito-me.
... no fim de um parágrafo, ele escreve assim, “(…) Porque tudo é mesmo uma merda, mas depois melhora um pouco, quando de noite a namorada vem.”
Quando de noite a namorada vem. E eu passei o dia a lembrar esta frase, a associá-la a coisas que vivi e escrevi, noites minhas em que as namoradas vieram e vêm, a minha escrita baça, pedante e sem graça, por comparação a esta luminosidade que cabe numa frase tão simples, depois melhora um pouco, quando de noite a namorada vem. É isso.
Eu já devia saber: ir ver o Bruno com a minha filha de 16 anos, por muito que sejamos uma família liberal e aberta a novas experiências, só podia conduzir a momentos estranhos e até um bocadinho penosos, tadinha. A perversão partilhada entre mãe e filha não é de facto uma boa ideia; neste caso, os momentos de bonding só resultam quando bonding significa “estreitar laços” e não “fetiche homossexual explícito”. Posto isto, e com ela seguramente mais envergonhada do que eu, que ri a bandeiras despregadas o tempo todo, só me resta dizer que algures umas filas mais abaixo se encontrava um desconhecido que supus ser a minha alma gémea: nas cenas mais constrangedoras, naquelas insuportáveis que só mesmo o Sasha Baron Cohen consegue criar, por entre uns sorrisos envergonhados aqui e ali, e uma e outra expressão abafada de nojo e repulsa, ele, o desconhecido, fazia comigo um coro de gargalhadas que pairava de modo reconfortante sobre o constrangimento colectivo da sala.
Era por isso que ela o queria ver de perto, farejá-lo primeiro como um bicho desconfiado e amá-lo depois sem condições: para se assegurar da loucura que lhe bailava nos olhos; essa loucura onde se via e reconhecia como num espelho, essa desordem súbita que lhes enevoava por vezes o discernimento e lhes deitava tudo a perder por dá cá aquela palha. Havia neles um desarranjo interior selvagem e violento, que num momento tudo queria mas depois tudo perdia só porque sim, um buraco negro onde nenhuma lógica matemática os poderia salvar, uma loucura enredada em si mesma, em círculos a morder-se a cauda, um desvario que acalmavam com o envio, para as suas guerras interiores, de milhares de pequenos soldados seguros de si e razoáveis. Cada um com o seu exército carregado das defesas possíveis, porque aquilo eram mais armas rombas, falhas tácticas e gente ferida do que outra coisa. Travavam quase diariamente batalhas sangrentas onde combatiam desejos enegrecidos e a vontade de renegar uma felicidade prospectiva por pura teimosia, como se viver fosse um jogo arbitrado por um fraco que, a pedido, lhes concedesse segundas e terceiras oportunidades para fazerem as jogadas certas, fechando os olhos às erradas.Não é.
Os funcionários d`A Loja do Gato Preto usam umas camisolas nas quais, numa das mangas, se pode ler em letra pequena "dogs have owners". Depois, na parte de trás das mesmas (acho que é atrás) aparece em letras grandes, "cats have staff". É exactamente assim, e só quem tem ou teve gatos ecães percebe como esta ideia, que aproveita a dois fins, é de uma simplicidade genial. Os meus sinceros parabéns a quem trata do marketing daquilo.
Minhanossasenhora!.., não sabia que havia bloggers assim. Para mim, isto era um ninho de pedros mexias e nunos markls - salvo raras excepções, um conjunto de nerds macilentos a oscilarem entre o deprimido e o histriónico. Ainda por cima, a conversa é inteligente, muito boa onda e de muito bom gosto. Melhor, impossível.
Acho comovedora a relação que os empregados de pastelaria lisboetas estabelecem com os seus clientes mais antigos, não sei se já repararam. A maior parte desses empregados, algures entre os 40 e os 60 anos, têm ar de nunca ter feito outra coisa senão servir cafés pingados em chávenas escaldadas, galões directos e de máquina, abatanados e torradas aparadas, e são no geral trombudos e ensimesmados, nem lhes vemos os dentes. Mas com os velhinhos do costume tudo muda. Na pastelaria das avenidas novas onde quase todos os dias úteis tomo o pequeno-almoço, elas são “minha querida”, “minha linda”, “minha menina”, “cada vez mais nova e mais bonita”, e eles o “meu grande amigo”, “como vai essa saudinha”. Hoje, quando estava no Frutalmeidas a lanchar uns pasteis de massa tenra com um dos meus filhos, o telemóvel de uma velhota pintada e vestida a preceito, com o cabelinho lilás todo armado para trás (não há velhinhos tão elegantes como os portugueses, já lá dizia o MEC), sentada sozinha ao nosso lado, deu sinal de mensagem. O empregado, uma criatura naturalmente trombuda que nunca concede um sorriso, pega-lhe sem cerimónia no aparelho e diz-lhe, olhe tem uma mensagem, quer que eu lha leia? A velhota, já meio alheada da realidade, balbucia um sim, sim, e ele, ah, é a dizer que tem 15 euros de saldo (di-lo alto e pausadamente, já que ela deve ser um bocadinho surda). Mas tem praqui muitas mensagens não lidas, não quer que eu lhas leia todas? E, sem esperar pela resposta, enquanto os restantes clientes aguavam pelos pasteis em cima do balcão a arrefecer, ele ia dizendo, esta é de um 91 qualquer, ah!, é a confirmar o carregamento; esta é da sua filha, pede para lhe ligar; está aqui uma de uma tal de Filó, e algures dos fundos da confusão da sua mente a velhota clarifica baixinho, amiga!, e ele, pois, a sua amiga manda beijinhos e pergunta como se sente…, e por ali ficou mais um bocado naquilo, até esgotar a leitura de todas as mensagens que estavam por abrir e por ler naquele telemóvel e que, não fora ele, provavelmente não chegariam nunca à destinatária. Achei a cena tão gira que nem reclamei do pastel me ter chegado à mesa menos do que a escaldar a língua (o que, como sabem todos os autóctones, é crime de lesa-majestade no estabelecimento em questão).