status quo a quanto obrigas
Esta coisa de as pessoas mentirem em relação à idade é um processo psicológico misterioso e extraordinário. Eu sempre disse a minha idade a quem mo perguntou, sem nunca hesitar. Até fazer quarenta anos. Agora continuo a dizê-lo, mas faço-o com algum rebuço, penso duas vezes, preferia ter menos um ou dois na resposta. Porque não é a mesma coisa, dizermos que temos trinta e nove anos e trezentos e sessenta e três dias ou que temos quarenta. Ou melhor, é a mesma coisa, mas não é. Aqui há uns anos tive uma paixoneta na net, daquelas que não dão em nada, que nascem da tesão da escrita e morrem com ela. Mas recordo-me que, num dos nossos encontros, ele me perguntou a idade. Eu na altura andava ainda bem longe dos quarenta, mas não resisti a subtrair-me um ano. Um ano, que ridículo! Ainda se fossem uns quatro ou cinco, ficava substancialmente mais nova, quase uma miúda, por comparação. Embora isso tivesse sido obviamente demais: o algodão não engana. Para cúmulo, costumo assinalar os meus anos no blogue e até dizer quantos faço. Bastaria ele ter sondado os arquivos ou estar atento aos posts de quatro de Julho para me ter percebido mentirosa, o que seguramente terá acontecido. E porquê? Para quê? O que é ganharia com menos um ano? Já nem me lembro se ficava mais nova do que ele. Penso que seria isso: como tínhamos a mesma idade, com menos um eu ficaria mais nova, e na altura devo ter achado isso importante, como se dessa forma repusesse o equilíbrio cósmico que achava que deveria existir entre nós: eu, com menos um ano do que ele; mais nova mas não muito, uma espécie de aritmética perfeita dos casais. Não sei porquê, penso imensas vezes nisto; de todas as lembranças que me ficaram dessa paixoneta, dos eflúvios primaveris e dos arrobos tardiamente juvenis, das parvoíces que então escrevemos e da absurda intensidade emocional de tudo aquilo, o que não esqueço, mesmo, é aquele momento durante um almoço em que, do meu lado da mesa, fingi que tinha nascido em 1969 e não em 1968. E, cada vez que me deparo com alguém que faz ou fez o mesmo, que teima em negar que já ultrapassou a barreira dos quarenta, apesar das cãs esbranquiçadas, das rugas que já não se desfazem quando pára de sorrir, ou do que pura e simplesmente consta no seu BI, olho-o com a mesma interrogação e espanto com que olho para mim desde aquele dia. E com alguma pena, porque, convenhamos, é um bocadinho patético, mentir por tão pouco. Mentimos por tão pouco, nós. Todos. Mentimos por nada.