fim
Engraçado, como sabemos sempre quando chega o fim. Às vezes, anos depois, quando alguém nos pergunta como é que soubemos que tinha acabado, somos capazes de identificar aquele exacto instante em que o cansaço por fim nos vence, em que baixamos os braços e capitulamos, de certo modo aliviados. Nunca nos esquecemos desse momento de luz: a clarividência do fim deixa uma marca indelével nos corações exauridos. Não é exactamente um acto consciente, surge porque alguma coisa exterior nos varre para sempre a vontade; às vezes, é um pormenor de vão de escada, outras, um comboio de mercadorias, que nos passa por cima e continua para além de nós e daquilo que definimos como os nossos limites. Quando chegamos a este ponto de não retorno já teremos feito em princípio muita coisa contra a nossa natureza, mas que nos pareceu aceitável e suportável, em nome de um qualquer bem maior: um prazer, uma missão, uma conquista, uma experiência única, um projecto de vida. Até que esse bem deixa de ser maior (deixa até de ser um bem), e as concessões e os apaziguamentos já não têm cabimento: a cada dia, a cada hora, minuto, segundo, têm menos cabimento, até que ficam vazios de sentido. Até que se dá um disparo bruto da consciência e realizamos que o presente já não está no modo como até então imaginámos o futuro.