O episódio da professora maluca não me deixa propriamente pasma de horror; choca-me mais que a dita, segundo afirma a dada altura por entre perdigotos raivosos, ter mais seis anos de escolaridade para além do 12º ano e, não obstante, dizer fizestes e amiguíssimos. Professores chanfrados é o que há mais, principalmente no secundário, em que é preciso ser-se muito bem estruturado psicologicamente para se aguentar com turmas de adolescentes a transbordar de hormonas desafiadoras. Tenho neste momento dois filhos no liceu, um numa escola pública, outro numa privada supostamente conceituada, e os episódios de prepotência amalucada e desgovernada de representantes da classe docente são tantos e tão variados que nós, pais, já nem nos damos ao trabalho de fazer queixa, limitando-nos a fornecer aos miúdos algumas guidelines para que se saibam defender - o que passa basicamente por fazerem ouvidos de mercador quando é preciso, desvalorizando os dislates. É claro que o comportamento grosseiro e intimidante da criatura é aberrante e deve ser punido, até porque é ela, naquele momento, a responsável por uma turma de miúdos de 12 anos que estão a penar com aquele triste espectáculo; mas, se é verdade que é nosso dever protegê-los, há aqui também uma liçãozinha de vida que podem aproveitar: é que o mundo é muito feito de gente desta laia, só que uns disfarçam melhor que outros, e há que ir treinando as jovens cabecinhas para separarem o trigo do joio e deitarem fora o que não presta, ao menos metaforicamente. De resto, a tutela fez o que devia, parece-me: perante as evidências, suspendeu a louca chanfrada, pelo que não percebo porque é que os arautos do costume insistem em culpar Sócrates e/ou a Ministra da Educação, santa paciência. Depois não querem que o homem se arme em vítima.
Tenho terror das lavagens automáticas. A sério, cada vez que penso em lavar a merda do carro, tenho que vencer os meus demónios mais profundos. Começa logo no alinhar da roda com a calha, acho sempre que não estou a acertar no sítio; o empregado a fazer-me sinal para não travar e não mexer no volante e aquilo a fazer tum tum tum tum, e eu, ai que já lixei o pneu, o volante a fugir todo para a direita em vez de ficar direitinho como devia, ai que vou marrar contra a parede, vou vou, ai meu deus. Depois as escovas a virem na minha direcção, a aproximarem-se ameaçadoras e eu, ai mãezinha, com medo de ser degolada por aquelas cerdas gigantes que giram enlouquecidas, prestes a entrarem pelo pára-brisas dentro. Imagino-me a gritar e o empregado a não me ver nem ouvir, o que resta de mim a afogar-se e a dissolver-se na cascata ameaçadora de espuma detergente… Ponho a música alta, agarro-me ao telemóvel e tento ignorar a violência dos jactos de água e o carro a avançar em soluços penosos, mas o coração acelera-se-me inevitavelmente perante a visão daquela espécie de cutelo gigante da horizontal, que seca a carroçaria. Nesse momento, tenho que me amarrar ao banco para não desatar a correr dali para fora; é que eu juraria que aquilo vai bater no vidro, vai bater no vidro, foda-se!, que isto não sobe o suficiente, o carro está a avançar e isto vai bater o vidro e esborrachar-me a cara. Desliza-me o pé nervosinho para o travão e só não travo porque, adivinhem?, à minha frente está um letreiro gigante a dizer “não trave”. Estes últimos momentos, aliás, são especialmente aflitivos porque o carro, a cada impulso que a calha lhe vai dando para a frente, descai um bocado para trás e eu, pronto é agora. Então, encolho-me toda de olhos fechados, a música num exagero de decibéis, à espera da morte certa. O ritmo cardíaco só abranda após o sacão final dali para fora quando o sinal fica verde, que no caso do sítio onde vou nem fica, porque está fundido há anos e eu tenho que adivinhar quando posso sair, o que não abona nada a favor da minha reduzida confiança na eficácia do equipamento. Quando vou com os miúdos, a cena torna-se ainda mais patética, comigo a tentar aparentar uma segurança destemida que não tenho e eles a fingirem que gostam e que acham graça, provavelmente também com medo de serem devorados pela tribo das escovas malucas e os seus ataques de espuma assassina. Como eu, na idade deles (e é assim que se criam traumas de infância).
O Miguel desafia-me a revelar 15 séries para mim inesquecíveis. Aqui vão elas, sem nenhuma ordem em especial.
Brideshead Revisited (a série das séries, perfeita).
Rome (devolveu-me aquele ansiar de há vinte anos, quando queríamos que chegasse depressa a semana seguinte para vermos mais um episódio).
Black Adder (não há humor como o inglês e, para mim, Rowan Atkinson e os seus alucinados episódios da história inglesa – com o hoje famoso Dr. House como príncipe mentecapto - é o melhor dos melhores).
The Office, UK (o génio de Ricky Gervais primeiro estranha-se, depois entranha-se).
Seinfeld (episódios como o nazi das sopas e o rapaz da bolha vão ficar nos anais no humor interplanetário, uma maravilha).
The Simpsons (tantos e tão bons episódios, durante anos seguidos – seguramente, uma das melhores séries de todos os tempos, que revejo aos fins-de-semana na Fox, os miúdos adoram).
Sex and the City (não me marcou por aí além, já era crescidinha o suficiente para não me deslumbrar com o à vontade gráfico e linguístico da coisa - que, na altura, no entanto, era novidade e fez escola -, mas qual de nós, mulheres, nunca quis por momentos ser uma delas, à solta por Nova Iorque nuns Manolo?)
Carnivàle (um estranho e perturbador desfile de deformidades humanas, físicas e não só, durante a depressão norte-americana dos anos trinta, totalmente viciante: vi os doze episódios da 1ª série numa noite).
Absolutely Fabulous (a confirmar a minha tendência para o humor perverso e amoral, com laivos de crueldade decadente: Eddy e Patsy são fantásticas).
Kananga do Japão (a melhor novela brasileira que já passou na televisão portuguesa, com uma história de amor como deve ser, quase impossível e muito improvável – aren´t they all? -, acompanhada pela história do Brasil nos meados do século XX. Inesquecível).
House, M.D. (actualmente, o melhorzinho que passa na televisão, embora esta quinta série seja uma bocado chocha; nas anteriores, pudemos assistir a alguns dos melhores diálogos alguma vez escritos para televisão, a par com os de Boston Legal).
The Sopranos (o equivalente norte-americano de uma série perfeita, nem é preciso dizer mais nada, um espectáculo).
Espaço 1999 (quando a alternativa eram a animação búlgara de Vasco Granja e o engenheiro Sousa Veloso, as aventuras na lua da Dra. Helen – eu! eu! -, do Capitão Kirk e do seráfico Spock, eram uma maravilha de evasão no quotidiano a preto a branco de um país muito cinzento. ai não, esperem: o Kirk e o spock eram do Star Trek, como é que se chamava o dos olhos azuis e da cintura fina? não me lembro, mas era tudo bom, tudo bom, pronto *).
Six Feet Under (diferente, mas nem por isso muito superior a várias outras, admito. Está aqui pelo melhor último episódio de sempre da história das séries, que vale pelos restantes - quase uma série dentro da série).
E pronto, afinal são só catorze, e como qualquer boa corrente que se preze, morre aqui, que não tenho paciência para encomendas, já sabem como é. Mas, por favor, continuem, continuem.
* Claro!, era o John Koenig, comandante da Base Lunar Alfa, o excelente Martin Landau do Ed Wood, parece que estava parva, ontem, devia ser do sono.