Lili Caneças dá conselhos de moda no jornal da noite da sic e aproveita para informar os telespectadores curiosos que não tem nenhum desvio na coluna, que tem o peito muito piqueno e que o seu tamanho de soutien é o 36 B. Enquanto tento afastar a terrível imagem que se me forma na mente, conto até dez e arredo igualmente a tentação de zappar para a tvi, onde deve estar a ser entrevistado um cidadão qualquer que recebeu o vale postal da reforma de um morto. Logo a seguir aparece uma modelo, a giríssima noiva israelita de Leonardo de Caprio, e sinceramente, só me ocorre dizer ao Henrique Zimmermann - que lhe pergunta se a incomoda que os homens tenham fantasias com as suas fotografias - que se fique pelas entrevistas aos lideres assassinos dos hamas, hezbollas e quejandos, que se sai melhor, a sério. A partir daqui é sempre a descer, com o testemunho do barbeiro de Paulo Bento - que, francamente, não percebo do que se orgulha e porque não se esconde -, com um momentinho especialmente nodja, quando a camara filma em grande plano a vassoura que varre os cabelos cortados do chão da barbearia. Não é normal, isto.
Há qualquer coisa na apologia da leveza como desculpa para o que não se deve fazer que decididamente não me agrada. As coisas não são passíveis de serem feitas só porque são leves e vão passar incólumes. Uma recordação simpática nem sempre justifica um momento de devaneio ou um desvio, mesmo que sem vislumbres de culpa. Há uma boa dose de canalhice no usar das inconsequência e ligeireza como desculpa para a transgressão. O desvio da norma, do correcto, a cedência aos pecados capitais em geral e aos outros em particular, só faz sentido se trouxer consigo algum conteúdo, se revestida de um mínimo de importância, se deixar marca. Como algo exaustivamente pensado e reflectido; ou algo que tenha ínsito o peso do tempo que se passou a pensar nisso, das horas em que se andou a rilhar o desejo, uma coisa minimamente séria. A ideia de que se pode fazer isto ou aquilo porque vai ser giro, divertido, inconsequente, é a pior das desculpas para quem faz questão de afinar por um diapasão moral mesmo quando se sabe à boca do inferno. O mal exige paixão e densidade. A ligeireza que imprimimos ao facere quando nos dá jeito não nos exime de um juízo interior, venha ele sob que forma vier: apenas acentua a nossa inesperada futilidade aos olhos dos outros.