avacalhar o sistema
Toda a gente sabe que a blogoesfera já não é o que era. Mais política, institucionalizada, demasiado séria, deixou de ser um antro que acoita a selvajaria anónima - ou melhor, esta ainda mexe, mas de uma forma envergonhada, a coberto do barulho das luzes dos jornalistas, cronistas e opinion makers em geral. O que não é necessariamente bom. Porque, se é certo que a blogoesfera se democratizou, alargando-se ao povinho –temos agora o político e a sopeira, a professora e o reformado, a puta e o magistrado - nem por isso é sinónimo de maior e mais desenfreada liberdade de expressão. Se calhar, por sermos hoje menos anónimos do que ontem, acobardamo-nos e abstemo-nos de mandar para a coisa da tia, ao tipo que conhecemos na apresentação de um livro ou à gaja que nos foi apresentada numa festa. Está demasiado bem-educada, a blogoesfera, muito certinha e mainstream; respeita-se sempre a opinião dos outros, por mais cretina que seja; replica-se, treplica-se e dissecam-se imbecilidades. Há até quem ouse criar regras de etiqueta e normas de comportamento, e que pretenda a criação de entidades que cuidem da sua aplicação. Que se fodam. A quantidade de hate mail que recebo decresceu consideravelmente, o que me desgosta: desprezar idiotas era um dos meus passatempos favoritos. No início, isto era uma alegre chafurdice, porque éramos poucos e íamos todos aos mesmos sítios: as sopeiras comentavam os políticos; os jornalistas respondiam a tarados, as doutoradas metiam-se com os trolls – alguns em nome próprio, outros nem tanto. Hoje, as águas estão separadas; há pouca pica, maldadezinha ou veneno puro e a imprensa, quando fala da blogoesfera, limita-se a fazer eco de si própria. Estou de tal modo à míngua que, no outro dia, nos comentários do Blasfémias, uma das poucas bloggers que ainda mantém a tradição dos primórdios em roda livre (saravá, zazie!) chamava-me “aquela barbie monga da maresia” (fartei-me de rir). Ah, que lufada de ar fresco! A blogoesfera precisa disto, de algum descontrolo, de alguma raiva à solta, de não se levar tão a sério (e de que os outros não a levem tão a sério); precisa de vernáculo, de caralhadas, de inimigos jurados, de gente a fingir aquilo que não é, de personagens de ficção, loucas hilariantes, deprimentes, ou apenas que incomodem. Já não há pachorra para a bengalada queiroziana, para o com a sua licença, vossa excelencia é um asno. Acho que vou ali criar um blogue anónimo para avacalhar o sistema e já volto.