2008
Este ano foi, em muitos aspectos, bem melhor do que os anteriores. Apesar de ter trabalhado de mais e escrito de menos; apesar de ter viajado pouco, quase não ter ido ao cinema, ter lido poucos livros e ainda menos blogues. Mas redescobri o núcleo do amor, sendo que andava há muito a rondá-lo, apenas, às voltas na periferia, a achar que chegava. Porque, ao contrário do que diz Bernardo Soares n`O Livro do Desassossego, não são os arredores do amor que vale a pena; os arredores são só uma distracção quando não há mais nada, quando por mil razões nos deixámos infectar pelo cinismo e pela amargura, ou quando a estrada acaba já ali porque não nos apetece seguir para lado nenhum. Reaprendi a beleza que há em fazer planos para o futuro, grandes e pequenos, em querer que as coisas sejam assim e ter a certeza de que vão ser, e livrei-me de vez da sombra de uma ou duas criaturas, que se me colava às canelas e me puxava para baixo, como as correntes dos condenados. Andar de mão dada, segredar parvoíces, rir muito e à toa de uma piada má mas só nossa e, nesse momento, não lembrar de mais ninguém; achar que se tem de repente vinte anos; guardar os amigos que o são, gozar o sucesso dos amigos, a família com saúde, miúdos lindos, brincar com os cães e com os gatos, plantar couves e courgettes, ler mais depressa o Borda d´Àgua do que os colunistas de sempre nos semanários do costume, olhar para o céu mais vezes, interpretando-o. Levei na cabeça, é a vida, estou mais tolerante, acho tudo bem desde que não me chateiem (bom, isso sempre achei), o que me devolve um paradoxo só aparente: cada vez aturo menos gente medíocre, invejosa, gente que não me interessa e que nada traz de novo à minha vida: ponho-os a correr, logo. Apesar disso, vejo-me mais cordata e não perco tempo a amuar com estranhos; aliás, acho que a frontalidade está sobrevalorizada e que é, frequentemente, apenas uma boa desculpa para a má-criação, e que por vezes mais vale simplesmente virar as costas e ignorar. Continuo a gostar de desempenhar papéis vários, a escrever em muitos tons, no entanto, a detestar a aldrabice, o embuste, o fingir-se aquilo que não se é quando se afirma perante os outros um eu que se pretende verdadeiro. Daí, talvez, ter perdido a paciência para muitos blogues, que são fraudes pegadas, além de pretensiosos e chatos. Em contrapartida, e como nos anos anteriores, fiz um ou dois bons amigos à conta dos blogues. Conto-os pelos dedos das mãos, aos amigos dos blogues (ou por causa deles) mas são bons, muito bons. Perdi, igualmente, as pretensões literárias, e assumi a preguiça e a falta de disciplina, o que não foi necessariamente mau. O confronto não me atrai como antes, quero é sopas e descanso, e não perco tempo com o que para mim não presta, que a segunda parte da minha vida está aqui e está a passar a correr. Foi, assim, um ano de triagem, um ano espremido do qual guardei o sumo, um ano bem melhor do que os anteriores.