Pobre/excluído/cigano (riscar o que não interessa), no interior da sua habitação social a mostrar ao jornalista da SIC o que é que os outros pobres/excluídos/ciganos lhe roubaram: “Ali estava a televisão e o DVD, e além as playstations * e o DVD dos meus filhos.”
No resto da notícia é ainda referida a estranha abundância de carros de alta cilindrada à porta das habitações sociais (como é óbvio, do tráfico de droga), e de como gente trabalhadora e honesta, que pagou pelas suas casas, é obrigada a conviver com esta cambada pária e delinquente.
Já agora, e acrescento eu só por curiosidade: cambada essa que muitas vezes nem sequer paga a luz, pois abastece-se com as chamadas puxadas que faz no espaço comum dos prédios ou nos candeeiros da rua.
Hoje em dia, os media marcam a agenda política de um país. Porque existem telemóveis que filmam, Portugal descobriu subitamente que nos bairros sociais se anda aos tiros e que a malta de “etnia cigana” e de “etnia africana” não se grama. Os telejornais repetem à exaustão umas cenas mal filmadas, onde nos apercebemos, cá de longe, que a “etnia africana” usará, talvez, um tipo de arma de fogo mais discreta que caberá na palma da mão, enquanto que a de “etnia cigana” nutrirá maior simpatia pelas caçadeiras de canos serrados (ou seria o contrário?). Todos se desdobram em declarações e até o senhor ministro se deu ao trabalho de compor um tom solene e ligeiramente surpreendido, como se tivesse sido a primeira vez que estas coisas aconteceram. Mas não. Há anos que ocorrem rixas entre etnias rivais na periferia de Lisboa, com lugar a mortos e feridos, só que dantes não chegavam à comunicação social. Nestes bairros, quase toda a gente guarda armas debaixo do chão ou do colchão, juntamente com o dinheiro da venda nas feiras e o da droga, e os polícias conhecem-nos a todos - um a um (o inverso também é obviamente verdadeiro). Levantar as tábuas do soalho das casas ou virar os colchões desta gente toda, provocaria um tumulto social de proporções inimagináveis, que começaria com muita gritaria e acabaria num enorme e vingativo tiroteio, provavelmente com mortos de ambos os lados. Os polícias são poucos, têm medo (designadamente, de acertarem em alguém) e vão por isso gerindo esta paz podre o melhor que sabem. Muitas vezes, aquilo não implode tudo de uma vez graças aos esforços diplomáticos de um subchefe qualquer que não foi a casa dormir porque ficou a demover um animal de abater os vizinhos a sangue frio. No entanto, nas cenas seguintes, vemo-los a exigirem apartamentos novos, quando não a invadi-los, o que é uma chatice porque desatamos a fazer associações de ideias e a generalizar. A culpa, no entanto, não é deles, dos supostamente excluídos dos guetos, mas sim do sistema. É, sim, do próprio Estado Social, que se tornou uma perversão de si próprio ao alimentar a pão-de-ló os socialmente marginalizados, contribuindo para que estes não queiram deixar de o ser, pois estão muito melhor assim. Por exemplo, hoje em dia, um casal que viva num bairro social sem ser legalmente casado (como um casal cigano), chega a receber mil e duzentos euros de rendimento de inserção social (seiscentos por cada um), mais cem euros por cada filho, sendo que não paga de renda mais de vinte euros e não paga quaisquer impostos. Isto, convenhamos, desmotiva qualquer um, seja de que etnia for, de encetar uma vida de contribuinte honesto e trabalhador. Por isso, ao pretender combater a exclusão, o Estado pura e simplesmente fomenta-a. Além de contribuir para o descontentamento ressabiado das massas que trabalham que nem cães para pagarem a prestação da casa e a papa do filho único, o que também não é socialmente desejável e depois dá origem ao aparecimento dos manuéis monteiros desta vida e de outros ainda piores. Por isso, mete-me um bocadinho de nojo, a conversa dos blocos de esquerda e quejandos quando, perante as imagens do tiroteio, dizem que é preciso a polícia inventariar e apreender todas as armas proibidas, como quem tivesse acabado de descobrir a pólvora. É claro que o estado de sítio a que tal conduziria, justificar-se-ia se fosse efectivamente possível uma limpeza como deve ser: se fossem aos bairros todos, às feiras onde as armas se vendem às claras (como a do Relógio) e se prendessem gente e não a soltassem logo a seguir, ou seja, se o Estado ainda se lembrasse do que é impor respeito e ser respeitado. Mas não é: seria preciso umas boas centenas de agentes em acção, uma coordenação impecável e uma interpretação da lei muito mais severa do que a que é feita actualmente pelos tribunais. Porque o status quo da impunidade e do privilégio que assistem a muitos destes marginalizados sociais já está instalado há muito: eles sabem bem aquilo a que têm direito, sabem como exigi-lo, onde apertar e quem pressionar. E, para tanto, têm contado com a inestimável ajuda, de quem? Precisamente, dos blocos de esquerda e quejandos, que agora reclamam a autoridade do Estado (presumo eu que a reclamem, se calhar acham que os polícias deviam ir bater de porta em porta e pedir por favor). A arrogância moral de quem se acha melhor e mais bem intencionado do que todos os outros anda geralmente emparelhada com a parvoíce.
Aqui a barata vai passear as suas flores para o SAPO. Digam lá se o template que a Cláudia fez não está giríssimo? Portanto, a partir de agora, é um facto: tenho o baby-blog mais cool da blogosfera.
(o que mais me irrita é que a miúda escolheu um poema do Pessoa que é a minha cara chapada, ou melhor, que é assim uma espécie de mantra que faço por repetir diariamente, à espera que resulte e que seja mesmo assim; e isto sem eu nunca lhe ter falado de Pessoa nem saber que ela o andava a ler. Uma choradeira danada, foi o que foi, parecíamos as mangueiras dos bombeiros a apagarem hoje o fogo na Avenida da Liberdade.)
Há uns anos, escrevi este post no Passeai!, onde contava uma conversa entre mim e o meu filho mais novo que ilustrava na perfeição como ele, desde cedo (tinha na altura acabado de fazer cinco anos), revelava ser aquilo a que se chama "marca anzol". A coisa rezava assim:
"- Joãozinho, não estou a gostar da maneira como te andas a portar. És mal-educado para as outras pessoas, viras-lhes as costas quando elas te falam, não respondes quando te dizem olá, amuas por tudo e por nada. Não podes fazer isso, é muito feio. Quando eu ou alguém falamos contigo, não te vais embora nem bates com a porta, ouviste? E agora fica aí um bocadinho a pensar no que te disse e vais ver que eu tenho razão.
(eu saio, ele fica sentado no sofá, emburrado, a fingir que vê televisão. Passados cinco, dez minutos, vai ter comigo)
- Mãe, posso falar contigo? Quero dizer-te uma coisa.
- Sim, claro, Joãozinho, diz: o que é?
- Era só para te dizer que NÃO fiquei a pensar no que tu disseste."
Isto vem a propósito de quê? Ah, sim, já sei: era só para dizer que eu hoje NÃO faço 40 anos.