verdades e vaidades
Hoje é excepcionalmente louvável, porque é sinal de liberdade, dizer-se sempre aquilo que se pensa. Confunde-se frontalidade com egoísmo e honestidade com inconveniência. Poucos se dispõem ao sacrifício da mentira, mesmo que a piedosa, e as pequenas cedências caíram em desuso. Até o melindre é coisa de somenos, sentimento de fracos e de carentes sem auto-estima. Do mesmo modo, muitos não se abstêm de, em nome da verdade, morder a mão que lhes dá de comer, o que pode ser mais abjecto do que a própria mentira. Está muito de moda vomitar verdades sem querer saber das consequências; e nunca um cliché serviu tanto como desculpa para a pura e simples falta de educação. Veja-se o caso de Bob Geldof. Não ponho em causa o papel meritório que acredito que tenha na causa africana, embora embirre um tudo nada com a pose e o discurso em geral. Mas a questão é outra. É a questão daquilo que se diz e das consequências do que diz, ou melhor, do dever ser-se consequente naquilo que se diz, em especial quando nos movimentamos ao mais alto nível e a nossa conversa não pode ser de café. Dizer que “Angola é governada por criminosos” , para além de uma evidência, é exactamente o quê? O que é Bob Geldof pretende? Despertar a consciência humanitária dos banqueiros presentes? Apelar ao derrube pelas armas do regime angolano, por forma a substitui-lo por outro, quiçá não corrupto nem criminoso? Apelar ao povo angolano para que derrube o regime nas urnas, como se a lisura de um processo democrático se adquirisse subitamente por mimetismo? E Portugal? Tem um “papel importante” em quê? Na subjugação do regime criminoso pelas armas? Devemos mandar para Angola os submarinos do Portas? Não? Então? Na conversão dos criminosos? Devemos tentar convencê-los com palavras doces? Ou boicotar as trocas comerciais e contribuir para uma ainda maior miséria dos angolanos, tipo EUA a CUBA? O que me parece é que estes discursos “corajosos” de quem só diz a verdade e nada mais do que a verdade, independentemente do sítio onde se encontra, das circunstâncias e dos objectivos atingidos ou a atingir, acaba por soar a coisa pífia e pouco consequente. O que, para quem tem pretensões a mudar o mundo, é pouco. Além de que, muitas vezes e também, esse apregoar do exercício de um espírito tão mais livre do que os outros é, não só uma antipática afirmação de superioridade, como um sinal de enorme vaidade.