Resolveram comemorar o divórcio como haviam começado o namoro: agarrados como se não houvesse amanhã, ao som de mornas e coladeras. Fora uma separação titânica, se assim se pode dizer, com as crianças a serem apenas mais um dos bens preciosos arremessados mutuamente durante dois anos de inferno. A contrariar o repúdio magnético dos pólos, algo em comum e que sempre os aproximara, a música de pretos. Ao princípio, fugiam dos amigos para boites manhosas na graça e no cais do sodré, onde se esfregavam pela noite fora ao ritmo de manimbé, o rei da kizomba, e dos funanás de tito paris, aliviando os calores com imperiais mornas que iam esquecendo pelos balcões de linóleo. Às tantas, e quando sobre eles começou a pender a ameaça do silêncio, passaram a acompanhar os amigos que não dançavam e que, antes, abancavam em sofás fundos nos bares da moda, a fingir que se divertiam enquanto conversavam demasiado. Nessa altura, acabavam as noites afogados em gin e sarcasmo, para casa no carro questionando-se em silêncio sobre as valias do outro. Chegaram por fim os tempos mudos e o tito mudou-se das pistas sebentas para o ipod de cada um, então mais mornas tristes do que funanás, o que aconteceu ainda antes desse outro tempo, o tal do inferno, quando todas as músicas arderam. Mas agora ali, embalada naquele suave armistício, agarradinha como uma noiva enquanto sentia os murchos contornos do seu corpo desinteressado, ela deixou rolar uma lagrimazinha nostálgica e pensou se tudo não poderia ainda ter emenda, apertando mais contra si o rabo dele, marcado pela dentada que ela lhe dera uns dias antes num hiato de descontrolo raivoso, à conta da disputa pelo serviço de chá. E ele, pressentindo um fio de dor a enredar-se na nádega roxa, arrebatando com sofreguidão aquele momento de fraqueza, sorriu-lhe ferozmente no escuro e, com a bolha de espelhos dos anos oitenta a reflectir-se-lhe no triunfo dos olhos, sussurrou-lhe baixinho, deixa lá querida, we will always have paris.
... acabei de ouvir aquele senhor do PSD que quer acabar com a publicidade na RTP, um tal de qualquer coisa branquinho, repetir por várias vezes a palavra "vervas". Juro, ele disse "vervas".