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Por entre a histeria mediática que começa a feder e a fazer-nos perder a noção do que é verdadeiramente importante, estranhei, a frieza ensaiada dos pais de Madeleine, a desresponsabilizarem-se perante as câmaras de televisão. Dir-se-á que tudo lhes é permitido, que tudo vale, para que a questão não caia no esquecimento e para que, por momentos, se aliviem do terrível fardo que carregam. Mesmo que, apenas, para que as pessoas (sempre tão fáceis a apontar o dedo) discordem, critiquem, acusem, estranhem: enquanto o rosto daquela criança estiver bem vivo na nossa memória, nas nossas palavras, quem sabe um de nós não a reconhecerá na esquina. Basta uma hipótese, por mais que remota. Futebolistas, actores, ministros, príncipes, o Papa: venham eles. Entretanto, a nossa desastrosa polícia, pressionada pelo exibicionismo do modus operandi anglo-saxónico, aparece três semanas depois com um extemporâneo "aviso" sobre um alegado "suspeito", cuja descrição corresponde para aí a um terço da população portuguesa. E depois os media, que entretanto já falam da falta de assunto dos media. E nós, que já escrevemos sobre os media que falam da falta de assunto dos media. Sim, tudo lhes é permitido, a eles, aos pais, em nome desta dor que deve ser a maior de todas, um luto jamais cumprido, a vida a oscilar entre o puro desespero e a mais absurda das esperanças. Não quero nem imaginar. Mas começa a desenhar-se-nos a sensação de que tudo isto está a ficar fora de controlo, a distanciar-se do seu propósito inicial. Isso é bom ou mau? Se pensarmos que todo este barulho poderá ter um, mesmo que apenas ligeiro, efeito dissuasor em casos futuros, já terá valido a pena. Sim, talvez por aí. Os potenciais raptores, sabendo que o mundo acorda agora mais atento, mais alerta: em cada cidadão um vigia. No entanto, há qualquer coisa de quase imoral, na cronometragem mediática do espectáculo da dor dos pais e da solidariedade alheia, que pode, a curto prazo, pôr em causa os sentimentos naturais de empatia e de compreensão, por parte da opinião pública para com o casal McCann. Não se trata da desproporção comparativa dos meios empregues nesta investigação(ou, pelo menos, não deveria sê-lo): não é neste caso, que tais meios são de mais; é nos outros casos, anteriores a este, de outras crianças desaparecidas (e não só portuguesas: esta situação não tem paralelo no mundo inteiro), que tais meios terão sido, lamentavelmente, de menos. Mas começa a notar-se uma inevitável saturação da atenção das pessoas que, tarda nada, começarão a fechar os olhos, a olhar para o lado e a mudar de canal, fartas de missas, passeios, viagens, cenas do dia-a-dia, directos do aldeamento e do portão fechado de uma vivenda onde nada acontece. A continuar assim, a acentuar-se este efeito perverso, até o famoso ursinho de peluche nas mãos daquela mãe será, um dia e injustamente, apontado como um recurso fabricado para manter viva a compaixão pública, entretanto tornada céptica. Vantagens de facto (no sentido de, por via delas, alguém ficar efectivamente mais perto de saber o que aconteceu à criança) neste insuflar artificial da tenda do circo mediático que envolve o casal, é que me parece não haver lá muitas.
Por entre a histeria mediática que começa a feder e a fazer-nos perder a noção do que é verdadeiramente importante, estranhei, a frieza ensaiada dos pais de Madeleine, a desresponsabilizarem-se perante as câmaras de televisão. Dir-se-á que tudo lhes é permitido, que tudo vale, para que a questão não caia no esquecimento e para que, por momentos, se aliviem do terrível fardo que carregam. Mesmo que, apenas, para que as pessoas (sempre tão fáceis a apontar o dedo) discordem, critiquem, acusem, estranhem: enquanto o rosto daquela criança estiver bem vivo na nossa memória, nas nossas palavras, quem sabe um de nós não a reconhecerá na esquina. Basta uma hipótese, por mais que remota. Futebolistas, actores, ministros, príncipes, o Papa: venham eles. Entretanto, a nossa desastrosa polícia, pressionada pelo exibicionismo do modus operandi anglo-saxónico, aparece três semanas depois com um extemporâneo "aviso" sobre um alegado "suspeito", cuja descrição corresponde para aí a um terço da população portuguesa. E depois os media, que entretanto já falam da falta de assunto dos media. E nós, que já escrevemos sobre os media que falam da falta de assunto dos media. Sim, tudo lhes é permitido, a eles, aos pais, em nome desta dor que deve ser a maior de todas, um luto jamais cumprido, a vida a oscilar entre o puro desespero e a mais absurda das esperanças. Não quero nem imaginar. Mas começa a desenhar-se-nos a sensação de que tudo isto está a ficar fora de controlo, a distanciar-se do seu propósito inicial. Isso é bom ou mau? Se pensarmos que todo este barulho poderá ter um, mesmo que apenas ligeiro, efeito dissuasor em casos futuros, já terá valido a pena. Sim, talvez por aí. Os potenciais raptores, sabendo que o mundo acorda agora mais atento, mais alerta: em cada cidadão um vigia. No entanto, há qualquer coisa de quase imoral, na cronometragem mediática do espectáculo da dor dos pais e da solidariedade alheia, que pode, a curto prazo, pôr em causa os sentimentos naturais de empatia e de compreensão, por parte da opinião pública para com o casal McCann. Não se trata da desproporção comparativa dos meios empregues nesta investigação(ou, pelo menos, não deveria sê-lo): não é neste caso, que tais meios são de mais; é nos outros casos, anteriores a este, de outras crianças desaparecidas (e não só portuguesas: esta situação não tem paralelo no mundo inteiro), que tais meios terão sido, lamentavelmente, de menos. Mas começa a notar-se uma inevitável saturação da atenção das pessoas que, tarda nada, começarão a fechar os olhos, a olhar para o lado e a mudar de canal, fartas de missas, passeios, viagens, cenas do dia-a-dia, directos do aldeamento e do portão fechado de uma vivenda onde nada acontece. A continuar assim, a acentuar-se este efeito perverso, até o famoso ursinho de peluche nas mãos daquela mãe será, um dia e injustamente, apontado como um recurso fabricado para manter viva a compaixão pública, entretanto tornada céptica. Vantagens de facto (no sentido de, por via delas, alguém ficar efectivamente mais perto de saber o que aconteceu à criança) neste insuflar artificial da tenda do circo mediático que envolve o casal, é que me parece não haver lá muitas.