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Controversa Maresia

um blogue de Sofia Vieira

Controversa Maresia

um blogue de Sofia Vieira

...

por Vieira do Mar, em 23.11.06
desinteressados


Existe um sub-género masculino (insistentemente heterossexual) que me irrita sobremaneira: o desinteressado. O desinteressado mais não é do que um misógino envergonhado e uma criatura fraca de sexualidade insegura. Com uma libido nitidamente atrofiada e unresolved issues com a mamã, vira-se para a companhia e o elogio dos seus pares porque estes são a única alternativa possível às mulheres. Até ver, é um heterossexual, sim (também há os nelos, mas esse é outro sub-género a desenvolver em sede própria) mas daqueles que nasceu assim por acaso, num dia em que deus nosso senhor andava por ali, a fazer undolitá, indeciso e tal, a este dou-lhe ou não um par de maminhas só para matar este tédio?..., e esta? Ah, esta tem direito a uma pilinha-brinde... Olha!, àquele dou-lhe ppilinha mas ele não saberá o que fazer com ela, etc, etc... É, basicamente, um enjoadinho comprometido (namorado ou casado), que não se/a levanta nem à passagem da Carmen Electra e ignora qualquer gaja boa que se cruze com ele na rua, como se não existissem decotes vertiginosos, umbigos ao léu nem saias anormalmente curtas. Note-se que a questão não é, de todo, moral.Como desculpa para tamanho atrofio libidinoso, diz que uma mulher, para o interessar, tem de ter classe, ou uma outra abstracção parva do género. Ou seja, só lhe agrada se reunir um sem número de características, como: ser fiel, ter um QI de 150, pernas de dois metros, produzir um agradável mas subtil efeito decorativo, ser boa cozinheira, anfitriã, esposa e mãe. Como não conhece quem reuna todas estas condições, não gosta especialmente de nenhuma. É aquele idiota que diz, Ah! Mas a Jlo tem rabo a mais! ou A Cameron Diaz? Ná... tem maminhas a menos... ou ainda, Cá pra mim, a Bundschën tem o nariz grande... Normalmente, este tipo de homem não gosta de lidar nem de trabalhar com o sexo oposto, pois considera as mulheres seres astutos, conflituosos e imprevisíveis que, quando não estão à espera do período, estão com ele ou já estiveram (nojo!). Desconfio sempre de um homem que esteja uma hora a falar comigo de presunções legais e que nem por uma vez me olhe de fugida para o decote, para as mãos ou para o cabelo. Porque eu gosto de homens que gostam de mulheres e que o demonstram (dentro da normalidade social, como é óbvio), não deste novo género assexuado, pouco sensível ao toque, que finge ser politicamente correcto com as mulheres e que, a pretexto da igualdade dos sexos, as trata como homens para disfarçar a falta de tusa. Nada como alguém que nos enreda na subtileza dos sinais de sedução e que nos devota encantamento. Os melhores homens (na cama, na secretária ao lado, no banco de jardim, no altar, na mesa do restaurante, no guichet do banco) são os que nos olham de frente sem se sentirem ameaçados (a maior parte do sexo masculino tem terror das mulheres), que estão ávidos de aprender connosco (os nossos truques, os nossos segredos) e que não se importam mesmo nada de serem governados e geridos por nós, porque nos acham de facto melhores, mais espertas, mais giras e eficientes, preferindo terem-nos por perto do que ao longe. São aqueles que acham que nós, um dia, vamos governar o mundo e ainda bem; e que demonstram verdadeiro gozo em explorarem-nos as entranhas e tragar-nos os fluidos. Enfim, gosto de homens que gostem de mulheres e que achem que se tornam melhores por delas se rodearem. Bom, melhores, não sei, mas mais atraentes, de certeza: a humilde sabedoria que se esconde num homem de mulheres é um poderoso afrodisíaco.

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por Vieira do Mar, em 23.11.06
desinteressados


Existe um sub-género masculino (insistentemente heterossexual) que me irrita sobremaneira: o desinteressado. O desinteressado mais não é do que um misógino envergonhado e uma criatura fraca de sexualidade insegura. Com uma libido nitidamente atrofiada e unresolved issues com a mamã, vira-se para a companhia e o elogio dos seus pares porque estes são a única alternativa possível às mulheres. Até ver, é um heterossexual, sim (também há os nelos, mas esse é outro sub-género a desenvolver em sede própria) mas daqueles que nasceu assim por acaso, num dia em que deus nosso senhor andava por ali, a fazer undolitá, indeciso e tal, a este dou-lhe ou não um par de maminhas só para matar este tédio?..., e esta? Ah, esta tem direito a uma pilinha-brinde... Olha!, àquele dou-lhe ppilinha mas ele não saberá o que fazer com ela, etc, etc... É, basicamente, um enjoadinho comprometido (namorado ou casado), que não se/a levanta nem à passagem da Carmen Electra e ignora qualquer gaja boa que se cruze com ele na rua, como se não existissem decotes vertiginosos, umbigos ao léu nem saias anormalmente curtas. Note-se que a questão não é, de todo, moral.Como desculpa para tamanho atrofio libidinoso, diz que uma mulher, para o interessar, tem de ter classe, ou uma outra abstracção parva do género. Ou seja, só lhe agrada se reunir um sem número de características, como: ser fiel, ter um QI de 150, pernas de dois metros, produzir um agradável mas subtil efeito decorativo, ser boa cozinheira, anfitriã, esposa e mãe. Como não conhece quem reuna todas estas condições, não gosta especialmente de nenhuma. É aquele idiota que diz, Ah! Mas a Jlo tem rabo a mais! ou A Cameron Diaz? Ná... tem maminhas a menos... ou ainda, Cá pra mim, a Bundschën tem o nariz grande... Normalmente, este tipo de homem não gosta de lidar nem de trabalhar com o sexo oposto, pois considera as mulheres seres astutos, conflituosos e imprevisíveis que, quando não estão à espera do período, estão com ele ou já estiveram (nojo!). Desconfio sempre de um homem que esteja uma hora a falar comigo de presunções legais e que nem por uma vez me olhe de fugida para o decote, para as mãos ou para o cabelo. Porque eu gosto de homens que gostam de mulheres e que o demonstram (dentro da normalidade social, como é óbvio), não deste novo género assexuado, pouco sensível ao toque, que finge ser politicamente correcto com as mulheres e que, a pretexto da igualdade dos sexos, as trata como homens para disfarçar a falta de tusa. Nada como alguém que nos enreda na subtileza dos sinais de sedução e que nos devota encantamento. Os melhores homens (na cama, na secretária ao lado, no banco de jardim, no altar, na mesa do restaurante, no guichet do banco) são os que nos olham de frente sem se sentirem ameaçados (a maior parte do sexo masculino tem terror das mulheres), que estão ávidos de aprender connosco (os nossos truques, os nossos segredos) e que não se importam mesmo nada de serem governados e geridos por nós, porque nos acham de facto melhores, mais espertas, mais giras e eficientes, preferindo terem-nos por perto do que ao longe. São aqueles que acham que nós, um dia, vamos governar o mundo e ainda bem; e que demonstram verdadeiro gozo em explorarem-nos as entranhas e tragar-nos os fluidos. Enfim, gosto de homens que gostem de mulheres e que achem que se tornam melhores por delas se rodearem. Bom, melhores, não sei, mas mais atraentes, de certeza: a humilde sabedoria que se esconde num homem de mulheres é um poderoso afrodisíaco.

...

por Vieira do Mar, em 22.11.06
Da novíssima série Pessoas que Não Deviam ter Direito a Votar no Referendo.



A partir de hoje, aqui neste blogue, nunca à mesma hora e em dias seguramente incertos, vamos dar seguimento a uma série, com o título indicado supra. Referir-me-ei a grupos de pessoas, franjas da sociedade (também podem ser riscos ao lado ou madeixas rebeldes), que eu entendo que, por razões várias, não deveriam ter direito a votar naquele referendo que toda a gente sabe e que aí vem.



Assim sendo, Pessoas que Não Deviam ter Direito a Votar no Referendo:



1º Não deveria votar neste referendo quem nunca fodeu como deve ser, ou seja, à séria, à grande e à francesa.

Quem, sendo letrado e sexualmente instruído (portanto, sem qualquer desculpa), nunca esteve encostado contra uma parede, debruçado sobre uma ponte, espalmado num confessionário, numa casa-de-banho de liceu ou num corredor de um seminário sobre semiótica, numa aflição medonha do género:

Aiiiiii que me estou a vir...ai, não te venhas!... sim, não, sim: espera, tens preservativos?..., não!, então espera ... aiiii! aí não, não me toques aí que eu não maguento... vamos parar um bocadinho... avisa-me quando te estiveres a vir que eu saio... ai... ui... mas mal temos espaço para nos mexermos, este armário de limpezas é minúsculo... estas vassouras todas... ai tu não me fales em vassouras nesta altura... ufa...vem cá... estás em que altura do mês?... não queiras saber estou... no.... cio... porque achas que te arrastei para aqui? Aiiiiii, que não dá mais!... pensa na tua tia Antonina, aquela da verruga,... mas isso é cruel... agora para castigo não te mexas... não te mexas tu que eu explodo...ai sim, siiiim....vem..vem..VEM!...

(segundos depois) ups...



... não devia ter direito de voto.



Repito: quem não sabe o gozo que pode dar uma rapidinha clandestinha, quem não entende o estado de insanidade mental temporária a que pode conduzir um encontro fortuito entre um pipi e uma pilinha... não deveria ter a possibilidade de dizer que é contra a despenalização do aborto, porque nunca se colocou a si mesmo numa situação horrível em que o diabo, o mafarrico em pessoa, lhe amarrou as mãos e o privou de todo o discernimento. É claro que todos os outros, os que fodem muito, e bem, sabem o que está em questão e estão dispostos a pagar o seu preço. E, por isso, podem votar: num ou noutro sentido, claro está.

...

por Vieira do Mar, em 22.11.06
Da novíssima série Pessoas que Não Deviam ter Direito a Votar no Referendo.



A partir de hoje, aqui neste blogue, nunca à mesma hora e em dias seguramente incertos, vamos dar seguimento a uma série, com o título indicado supra. Referir-me-ei a grupos de pessoas, franjas da sociedade (também podem ser riscos ao lado ou madeixas rebeldes), que eu entendo que, por razões várias, não deveriam ter direito a votar naquele referendo que toda a gente sabe e que aí vem.



Assim sendo, Pessoas que Não Deviam ter Direito a Votar no Referendo:



1º Não deveria votar neste referendo quem nunca fodeu como deve ser, ou seja, à séria, à grande e à francesa.

Quem, sendo letrado e sexualmente instruído (portanto, sem qualquer desculpa), nunca esteve encostado contra uma parede, debruçado sobre uma ponte, espalmado num confessionário, numa casa-de-banho de liceu ou num corredor de um seminário sobre semiótica, numa aflição medonha do género:

Aiiiiii que me estou a vir...ai, não te venhas!... sim, não, sim: espera, tens preservativos?..., não!, então espera ... aiiii! aí não, não me toques aí que eu não maguento... vamos parar um bocadinho... avisa-me quando te estiveres a vir que eu saio... ai... ui... mas mal temos espaço para nos mexermos, este armário de limpezas é minúsculo... estas vassouras todas... ai tu não me fales em vassouras nesta altura... ufa...vem cá... estás em que altura do mês?... não queiras saber estou... no.... cio... porque achas que te arrastei para aqui? Aiiiiii, que não dá mais!... pensa na tua tia Antonina, aquela da verruga,... mas isso é cruel... agora para castigo não te mexas... não te mexas tu que eu explodo...ai sim, siiiim....vem..vem..VEM!...

(segundos depois) ups...



... não devia ter direito de voto.



Repito: quem não sabe o gozo que pode dar uma rapidinha clandestinha, quem não entende o estado de insanidade mental temporária a que pode conduzir um encontro fortuito entre um pipi e uma pilinha... não deveria ter a possibilidade de dizer que é contra a despenalização do aborto, porque nunca se colocou a si mesmo numa situação horrível em que o diabo, o mafarrico em pessoa, lhe amarrou as mãos e o privou de todo o discernimento. É claro que todos os outros, os que fodem muito, e bem, sabem o que está em questão e estão dispostos a pagar o seu preço. E, por isso, podem votar: num ou noutro sentido, claro está.

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por Vieira do Mar, em 22.11.06
O Melhor Blogue do Ano? Sinceramente, não sei. Leio muito pouco o que os outros escrevem, falta-me tempo e paciência. Nem a mim me leio. É claro que, de quando em vez, tenho epifanias sob a forma de leitura de certos posts, mas rapidamente me esqueço do que li, e onde. Quase nunca agradeço o prazer que então me dão. Sou pobre e mal-agradecida: recebo elogios, palavras simpáticas, carinhos, convites e "nomeações", e a nenhum respondo. Não é que não ligue ou não atente mas é que, no dia seguinte já passou, já era e outras coisas há para fazer, urgentes, precisas. Não é que eu esqueça ou ignore: apenas adio até ao esquecimento. Há, no entanto, um blogue de que gosto muito, e que me tem ocupado tempo e atenção, ao longo deste ano. É um blogue de umbigo e de entranha, anda por aí perdido e eu, obcecada pelo enrolanço vadio das letras, pelos resultados inesperados nas esquinas e pelos caminhos ínvios, mentirosos e pornográficos das minhas palavras. Não é melhor do que todos os que têm vindo a ser nomeados, nada disso; antes pelo contrário, por vezes, carece de imaginação, repete-se nos termos, falha nas ideias, nada traz de novo a ninguém. Ali, não se aprende grande coisa. Mas foi, sem dúvida, o blogue de que mais gostei este ano. É o meu blogue do ano. Porque é deste ano. Porque é meu. E não é este.

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por Vieira do Mar, em 22.11.06
O Melhor Blogue do Ano? Sinceramente, não sei. Leio muito pouco o que os outros escrevem, falta-me tempo e paciência. Nem a mim me leio. É claro que, de quando em vez, tenho epifanias sob a forma de leitura de certos posts, mas rapidamente me esqueço do que li, e onde. Quase nunca agradeço o prazer que então me dão. Sou pobre e mal-agradecida: recebo elogios, palavras simpáticas, carinhos, convites e "nomeações", e a nenhum respondo. Não é que não ligue ou não atente mas é que, no dia seguinte já passou, já era e outras coisas há para fazer, urgentes, precisas. Não é que eu esqueça ou ignore: apenas adio até ao esquecimento. Há, no entanto, um blogue de que gosto muito, e que me tem ocupado tempo e atenção, ao longo deste ano. É um blogue de umbigo e de entranha, anda por aí perdido e eu, obcecada pelo enrolanço vadio das letras, pelos resultados inesperados nas esquinas e pelos caminhos ínvios, mentirosos e pornográficos das minhas palavras. Não é melhor do que todos os que têm vindo a ser nomeados, nada disso; antes pelo contrário, por vezes, carece de imaginação, repete-se nos termos, falha nas ideias, nada traz de novo a ninguém. Ali, não se aprende grande coisa. Mas foi, sem dúvida, o blogue de que mais gostei este ano. É o meu blogue do ano. Porque é deste ano. Porque é meu. E não é este.

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por Vieira do Mar, em 21.11.06
"O Amor é um sinal de civilização sem filtro."


(ele não acredita mas era isto que eu queria saber. escrever)

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por Vieira do Mar, em 21.11.06
"O Amor é um sinal de civilização sem filtro."


(ele não acredita mas era isto que eu queria saber. escrever)

...

por Vieira do Mar, em 17.11.06
grunhos e meiguice


No outro dia, fiquei sem gasolina a meio da Calçada de Carriche, na subida, na via do meio e à hora de ponta. Depois de amaldiçoar tudo o que tem pernas e mexe, chamei o meu ACP privado, ou seja, o meu paizinho, enverguei aquele magnífico colete que nivela todos os portugueses por igual e por baixo, pus o triângulo nos regulamentares, quê?, trinta metros?, e sentei-me envergonhadamente no carro sem querer olhar a fila de trânsito que me precedia e que, por então, já chegava à Malveira. Certo é que a ajuda não chegava e, para todos os efeitos, quem me visse ali naquele colete infernal, a roer as unhas e a bufar de raiva, com os piscas ligados e um triângulo à distância regulamentar, presumiria que o carro se teria... avariado, certo? Certo. Mas nem isso impediu que, ao passarem por mim, os tugas e as tugas periféricos, suburbanos e maioritariamente desfavorecidos, me gritassem os piores impropérios. Enquanto os camionistas me gabavam a anatomia (que podia ser a de um ananás: seria sempre gabável e motivo de grande diversão), os outros chamavam-me de puta para baixo e mandavam-me andar. Juro, mandavam-me andar, como se eu tivesse parado ali, no sítio mais feio de Lisboa e arredores que conheço, para um piquenique. Não um, nem dois, nem dez: dezenas de grunhos e grunhas a chamarem-me nomes e a dizerem-me que avançasse. Parece que estaria a empatar o trânsito. Ainda não havia reparado... Para cúmulo, quando já pensava que a ajuda paterna havia sido engolida por tubarões geneticamente modificados, começo a ver, pelo retrovisor, os carros a acelerarem na subida e a virem perigosamente contra a traseira do meu. Alguns paravam a centímetros do pára-choques, a pedirem a minha cabeça, indignados. E eu, mas que merda, o triângulo deve ter caído. Saio do carro, avanço pela turba furiosa que pede o meu linchamento e reparo que o triângulo... foi furtado! Sim, alguém, enquanto me chamava de cabra rica, vingava-se finalmente da injustiça de ter nascido na base da pirâmide social, e acrescia à minha humilhação o prejuízo económico e o perigo de vida. Foi um bonito e encantador momento de Portugal real, que fez com que o que me aconteceu ontem até tivesse sido querido e me tivesse dado vontade de convidar o meu inimigo estradal para um café: a caminho de uma rotunda, um beto no seu inevitável suv tentava fazer qualquer coisa com o telemóvel (talvez algo difícil, como marcar) e andava de faixa em faixa, não me deixando ultrapassá-lo (para não variar, eu estava com pressa). Depois de uma chuva de máximos, lá consegui passar-lhe à frente, com uma gazada súbita e entrei logo na primeira à direita. Pois parece que ele queria ir em frente para a segunda saída, não pode e não gostou, porque estava na faixa de fora e, se seguisse rotunda fora, batia-me. Fez uma travagem, todo assustado, coitado, disse-me umas coisas com o vidro fechado e eu mandei-o pastar. Obrigado a cortar igualmente à direita, parámos lado a lado no sinal. Aí pelos trinta anos, o cabelo amarelo à Herman, num estilo Gant que lhe caía bem e quase de certeza um dos participantes no blogue do não, o beto começou a minha evangelização: que não devia tê-lo ultrapassado, que tinha criado uma situação de perigo (eu?!) e iadaiadaiada. Chateada que nem um peru e sem vontade de lhe explicar que fora o seu comportamento errante e a merda da inabilidade para carregar botões que haviam provocado a coisa, mandei-o novamente dar uma curva, ir pastar, caçar gambuzinos, dar uma volta ao bilhar grande, experimentar um novo tom para o cabelo... Entretanto o sinal fica verde, eu a prepar-me para aquele impropério final e cobarde que a gente dispara antes de arrancar e ele, A menina estava a precisar de umas palmadas, ai estava, estava! Confesso que fiquei sem fala. A perspectiva de um bondage sadomaso meiguinho com o beto de cabelo amarelo, o carinho quase paternal que senti no castigo proposto... quebraram-me completamente as defesas e fizeram-me ver o conflito estradal a toda uma nova luz. E, lá está: apeteceu-me convidá-lo para um cafezinho e até pôr-me de certa forma a jeito...

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por Vieira do Mar, em 17.11.06
grunhos e meiguice


No outro dia, fiquei sem gasolina a meio da Calçada de Carriche, na subida, na via do meio e à hora de ponta. Depois de amaldiçoar tudo o que tem pernas e mexe, chamei o meu ACP privado, ou seja, o meu paizinho, enverguei aquele magnífico colete que nivela todos os portugueses por igual e por baixo, pus o triângulo nos regulamentares, quê?, trinta metros?, e sentei-me envergonhadamente no carro sem querer olhar a fila de trânsito que me precedia e que, por então, já chegava à Malveira. Certo é que a ajuda não chegava e, para todos os efeitos, quem me visse ali naquele colete infernal, a roer as unhas e a bufar de raiva, com os piscas ligados e um triângulo à distância regulamentar, presumiria que o carro se teria... avariado, certo? Certo. Mas nem isso impediu que, ao passarem por mim, os tugas e as tugas periféricos, suburbanos e maioritariamente desfavorecidos, me gritassem os piores impropérios. Enquanto os camionistas me gabavam a anatomia (que podia ser a de um ananás: seria sempre gabável e motivo de grande diversão), os outros chamavam-me de puta para baixo e mandavam-me andar. Juro, mandavam-me andar, como se eu tivesse parado ali, no sítio mais feio de Lisboa e arredores que conheço, para um piquenique. Não um, nem dois, nem dez: dezenas de grunhos e grunhas a chamarem-me nomes e a dizerem-me que avançasse. Parece que estaria a empatar o trânsito. Ainda não havia reparado... Para cúmulo, quando já pensava que a ajuda paterna havia sido engolida por tubarões geneticamente modificados, começo a ver, pelo retrovisor, os carros a acelerarem na subida e a virem perigosamente contra a traseira do meu. Alguns paravam a centímetros do pára-choques, a pedirem a minha cabeça, indignados. E eu, mas que merda, o triângulo deve ter caído. Saio do carro, avanço pela turba furiosa que pede o meu linchamento e reparo que o triângulo... foi furtado! Sim, alguém, enquanto me chamava de cabra rica, vingava-se finalmente da injustiça de ter nascido na base da pirâmide social, e acrescia à minha humilhação o prejuízo económico e o perigo de vida. Foi um bonito e encantador momento de Portugal real, que fez com que o que me aconteceu ontem até tivesse sido querido e me tivesse dado vontade de convidar o meu inimigo estradal para um café: a caminho de uma rotunda, um beto no seu inevitável suv tentava fazer qualquer coisa com o telemóvel (talvez algo difícil, como marcar) e andava de faixa em faixa, não me deixando ultrapassá-lo (para não variar, eu estava com pressa). Depois de uma chuva de máximos, lá consegui passar-lhe à frente, com uma gazada súbita e entrei logo na primeira à direita. Pois parece que ele queria ir em frente para a segunda saída, não pode e não gostou, porque estava na faixa de fora e, se seguisse rotunda fora, batia-me. Fez uma travagem, todo assustado, coitado, disse-me umas coisas com o vidro fechado e eu mandei-o pastar. Obrigado a cortar igualmente à direita, parámos lado a lado no sinal. Aí pelos trinta anos, o cabelo amarelo à Herman, num estilo Gant que lhe caía bem e quase de certeza um dos participantes no blogue do não, o beto começou a minha evangelização: que não devia tê-lo ultrapassado, que tinha criado uma situação de perigo (eu?!) e iadaiadaiada. Chateada que nem um peru e sem vontade de lhe explicar que fora o seu comportamento errante e a merda da inabilidade para carregar botões que haviam provocado a coisa, mandei-o novamente dar uma curva, ir pastar, caçar gambuzinos, dar uma volta ao bilhar grande, experimentar um novo tom para o cabelo... Entretanto o sinal fica verde, eu a prepar-me para aquele impropério final e cobarde que a gente dispara antes de arrancar e ele, A menina estava a precisar de umas palmadas, ai estava, estava! Confesso que fiquei sem fala. A perspectiva de um bondage sadomaso meiguinho com o beto de cabelo amarelo, o carinho quase paternal que senti no castigo proposto... quebraram-me completamente as defesas e fizeram-me ver o conflito estradal a toda uma nova luz. E, lá está: apeteceu-me convidá-lo para um cafezinho e até pôr-me de certa forma a jeito...

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