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Se folhearmos uma Hola! (sim, a exclamação é ao contrário, mas não sei como se faz), reparamos num dado curioso: as estrelas apresentam-se sempre, nos seus humilíssimos lares, descalças como vieram ao mundo. É extraordinário: seja o costureiro, a actriz, o toureiro ou a socialaite recauchutada; estejam num chalet em Gstaadt, numa finca andaluza, num iate em Montecarlo ou numa mansão à beira do Mar das Caraíbas, elegantemente esparramados nas suas chaise-longues, espreguiçadeiras e tumbonas, nunca abdicam do pezinho em primeiro plano. Para cúmulo, elas podem ter a cara profissionalmente maquilhada e o mais luxuoso vestido de noite, e eles, o melhor traje de gala: estão descalços na mesma. Deve ser para dar a ideia de que foram inesperadamente surpreendidos pela equipa de reportagem na intimidade no lar, ó pra mim a sair da piscina neste vestido do Ellie Saab. O problema é que há pés feios, horríveis, mesmo, e um pé feio é coisa que estraga toda uma visão de conjunto, deus sabe. Nem um bom par de maminhas, umas pernas de dois metros, uma boca pulposíssima ou uma melena bruxuleante, conseguem apagar a visão inestética de um pé disforme a sobressaltar-nos os sentidos. Quando tal me acontece, está tudo estragado. Às tantas, em vez de me centrar no magnífico pôr-do-sol que se espraia por sobre as jóias da famosa e o mobiliário de jardim indonésio, dou por mim na caça ao joanete e às calosidades, na busca da falange arqueada e dos dedos esqueléticos que parecem querer agarrar-me como mãos, ou então na quimera do dedinho porcino e, em especial, do dedão-frigideira. Não há nada mais estranho do que, na extremidade de uma perna bonita, bem torneadinha, depiladinha e bronzeada, depararmos com um dedongo espetado em forma de frigideira vista do lado da base (céus...).
Vem isto a propósito de quê? Da leitura da revista do Expresso desta semana e da entrevista e respectiva reportagem fotográfica à apresentadora Fátima Lopes. A Fátima, que até é uma mulher gira (um daqueles casos raros em que é melhor ao natural do que na televisão, que lhe aguça os traços de águia), aparece descalça. Uma pessoa está descontraída no seu fim-de-semana, a beber o seu café na pastelaria da esquina, e vai de apanhar com um dedão-frigideira e uma planta-do-pé-paelheira em plena cara. Não se faz. Está a senhora a mostrar toda a sua beleza e à-vontade natural, a gente a ver e a gostar e tungas!, toma lá com um pé largo e grosso que mais parece o de uma camponesa trepadora. É claro que eu, à conta deste estranho fetiche ao contrário, desinteresso-me logo dos futuros projectos profissionais da senhora e de como a filha Beatriz se tornou o centro das suas prioridades (também...); a única coisa que me vem à cabeça é mas porque é que a gaja não esconde aquilo, porquê?
Entretanto, o anãozinho politicamente correcto que vive em mim ordena-me que olhe as minhas curvaturas ao espelho e repita cem vezes baixinho que ninguém tem culpa de ser como é, que a perfeição não existe e que um pé-trem-de-cozinha não é assim tão mau, até porque está lá em baixo e ninguém nota, desde que com as unhas pintadas e as peles e calosidades devidamente removidas, acrescenta ele (este meu anãozinho é um bocadinho metrossexual). Não adianta: um outro anãozinho (mora cá dentro uma comunidade lilliputiana, é certo) torce-se de repugnância à visão de esboços palmares mal-acabados. No fundo, é uma espécie de anãozinho empurra-ego: há lá vingança melhor para a nossa imperfeição terrena, do que constatarmos subitamente que essa deusa que é a Keira Nightley parece um hobbit do tornozelo para baixo, tem bartanas no lugar de pés e está uns milhões de anos atrás de nós no plano evolutivo, a cabra? Lá está, existem fixações que dão jeito.