Filha faz treze anos e pede à mãe para organizar uma pool party com os amigos (só os amigos, mãe! não quero cá família...). Chega o dia e a coisa está mais ou menos ela por ela: meia dúzia de rapazes espichados e borbulhentos, de gaforinas pseudo-rebeldes, vestidos à pinto calçudo, e meia dúzia de miúdas devidamente enformadas, de umbigos à mostra, costas à mostra (enfim, tudo muito à mostra, menos o couro cabeludo). Preocupação da mãe: contar cabeças - que ela bem sabe conterem nesta altura mais ideias parvas (como seja saltar do cimo da mesa de plástico para a piscina na parte mais baixa) do que outra coisa qualquer. A páginas tantas, o exterior esvazia-se para o quarto da filha, uma divisão de 3 metros por 3 com a janela fechada até cima numa escuridão completa, com tudo ao molho e fé em deus, ou seja, com tudo deitado em cima e aos pés da cama do anjinho e princesa de sua mãe. Afastadas as imagens súbitas de Sodoma e Gomorra (e de outros filmes de Fellini/Godard) que a assaltam, a mãe lá consegue penetrar no ambiente húmido de respiração e corpos encafuados para perceber que - alívio! - apesar do ambiente pesado, na televisão o Valdemort tenta matar o Harry Potter, o que lhe parece relativamente inofensivo. Uma hora depois, metade de sexo indiferenciado encontra-se novamente na piscina. Então, filha, os outros?, pergunta a mãe. Ah! Ficaram no quarto a ver o resto do filme. Quer dizer, alguns... porque os outros estão no marmelanço. A mãe congela o sorrisinho e jura não mais perguntar até ao fim da vida sobre o paradeiro de ninguém e, aquando no corredor, bate com força com os pés no soalho e anuncia a sua chegada com pompa e circunstância, gastando os nós dos dedos na porta do quarto. Afinal, há coisas que uma mãe não quer ver, nem saber, pelo menos para já.
Ele era um bocadinho de generation gap com tempero de espaço contentor aqui para a mesa do canto, fáxavor, que a minha filha acha que somos amigas e eu não sei se estou preparada.
Filha faz treze anos e pede à mãe para organizar uma pool party com os amigos (só os amigos, mãe! não quero cá família...). Chega o dia e a coisa está mais ou menos ela por ela: meia dúzia de rapazes espichados e borbulhentos, de gaforinas pseudo-rebeldes, vestidos à pinto calçudo, e meia dúzia de miúdas devidamente enformadas, de umbigos à mostra, costas à mostra (enfim, tudo muito à mostra, menos o couro cabeludo). Preocupação da mãe: contar cabeças - que ela bem sabe conterem nesta altura mais ideias parvas (como seja saltar do cimo da mesa de plástico para a piscina na parte mais baixa) do que outra coisa qualquer. A páginas tantas, o exterior esvazia-se para o quarto da filha, uma divisão de 3 metros por 3 com a janela fechada até cima numa escuridão completa, com tudo ao molho e fé em deus, ou seja, com tudo deitado em cima e aos pés da cama do anjinho e princesa de sua mãe. Afastadas as imagens súbitas de Sodoma e Gomorra (e de outros filmes de Fellini/Godard) que a assaltam, a mãe lá consegue penetrar no ambiente húmido de respiração e corpos encafuados para perceber que - alívio! - apesar do ambiente pesado, na televisão o Valdemort tenta matar o Harry Potter, o que lhe parece relativamente inofensivo. Uma hora depois, metade de sexo indiferenciado encontra-se novamente na piscina. Então, filha, os outros?, pergunta a mãe. Ah! Ficaram no quarto a ver o resto do filme. Quer dizer, alguns... porque os outros estão no marmelanço. A mãe congela o sorrisinho e jura não mais perguntar até ao fim da vida sobre o paradeiro de ninguém e, aquando no corredor, bate com força com os pés no soalho e anuncia a sua chegada com pompa e circunstância, gastando os nós dos dedos na porta do quarto. Afinal, há coisas que uma mãe não quer ver, nem saber, pelo menos para já.
Ele era um bocadinho de generation gap com tempero de espaço contentor aqui para a mesa do canto, fáxavor, que a minha filha acha que somos amigas e eu não sei se estou preparada.
A professora pediu ao aluno que não deitasse as cascas da banana que estava a comer (o aluno, portanto, comia na sala de aula) para o chão. O aluno não gostou e atirou com um dossier e o mais que tinha à mão à cabeça da professora, que teve de receber tratamento médico. Os professores fecharam a escola, exigem medidas de segurança, polícia à porta, pedem psicólogos, que não aguentam a pressão. Inquiridos os paizinhos das outras crianças, dizem que, às vezes, os professores exageram e que as crianças têm de se defender, que elas é que sabem e não mentem e que, se os professores batem nos alunos, é natural que também levem. Ora eu, não duvido nem por um bocadinho que a algumas professoras do secundário lhes fizesse bem levarem com uns dossiers ponteagudos pelas cabecinhas abaixo e que a ajuda de um psicólogo ou mesmo de um psiquiatra (e, até, um eventual internamentozito temporário) também viesse a calhar, dadas algumas amostras de higiene mental menos que precária que têm chegado ao meu conhecimento (via blogues, então, nem vos conto). Mas, ouvir assim a aleivosia ignorante do povão a vomitar postas de pescada para os microfones da tevê desperta-me invariavelmente instintos oligárquicos, plutocráticos, aristocráticos, whatever: mas o voto desta gente vale tanto como o meu, porquê?
A professora pediu ao aluno que não deitasse as cascas da banana que estava a comer (o aluno, portanto, comia na sala de aula) para o chão. O aluno não gostou e atirou com um dossier e o mais que tinha à mão à cabeça da professora, que teve de receber tratamento médico. Os professores fecharam a escola, exigem medidas de segurança, polícia à porta, pedem psicólogos, que não aguentam a pressão. Inquiridos os paizinhos das outras crianças, dizem que, às vezes, os professores exageram e que as crianças têm de se defender, que elas é que sabem e não mentem e que, se os professores batem nos alunos, é natural que também levem. Ora eu, não duvido nem por um bocadinho que a algumas professoras do secundário lhes fizesse bem levarem com uns dossiers ponteagudos pelas cabecinhas abaixo e que a ajuda de um psicólogo ou mesmo de um psiquiatra (e, até, um eventual internamentozito temporário) também viesse a calhar, dadas algumas amostras de higiene mental menos que precária que têm chegado ao meu conhecimento (via blogues, então, nem vos conto). Mas, ouvir assim a aleivosia ignorante do povão a vomitar postas de pescada para os microfones da tevê desperta-me invariavelmente instintos oligárquicos, plutocráticos, aristocráticos, whatever: mas o voto desta gente vale tanto como o meu, porquê?
Toda a razão, querida. E mais: Brokeback Mountain é um daqueles exemplos óbvios que nos permite concluir que a beleza é, de facto, uma poderosa arma de arremesso apontada à nossa sensibilidade e que não há nada como o belo (já lá dizia Platão), para nos fazer baixar as defesas e nos deixar a todos babados e a chorar por mais, seja esse mais de que natureza for. Aposto que, com este filme, Ang Lee fez mais pelo fim dos preconceitos contra os homossexuais do que duzentos desfiles histérico-gays pelas baixas históricas das principais capitais mundiais. Porque, quando o estamos a ver, nem nos lembramos de que ali estão dois homens, mas apenas dois seres humanos que se amam, escondidos de uma sociedade que não os aceita porque. Podiam ser dois indianos de castas diferentes, um judeu e uma árabe ou uma outra dupla qualquer, artificialmente fraccionada pela história e pela cultura dominantes, que os nossos dó e compreensão não podia ser maiores. Não há preconceito que resista ao sentimento de identificação gerado pela sensação pungente da pena, quando esta nos é devidamente embutida no coração. Tem tudo a ver com a forma como se diz e como se nos é apresentada, a estória, de modo a que não resvale, por um lado, para o exibicionismo panfletário, nem, por outro, para a tentação da tábua rasa. É um difícil equilíbrio, este, plenamente conseguido in casu: a coisa está tão bem feita e tão na medida certa que, não obstante eu ser mulher, heterossexual e saber de antemão que os actores são os dois heterossexuais, ter sentido na pele a carga erótica de algumas cenas supostamente mais arrojadas que, não só não me chocaram de todo como me deram algum gozo, quase como se nelas estivesse a participar (para além de ter chorado do princípio ao fim afundada no sofá, ao mesmo tempo que dava graças por me ter atempadamente poupado a figuras tristes numa sala de cinema em público). Heat Ledger e Anne Hathaway são comoventes até ao limite do desconcertante e Jake Gyllenhaal aprimora aqui o seu habitual registo de desnorte contido. Tudo neste filme é belíssimo, até (e principalmente) o desespero dos amantes e a esperança que se pressente para além dele. O resto, é paisagem. Igualmente bela, por sinal.
Toda a razão, querida. E mais: Brokeback Mountain é um daqueles exemplos óbvios que nos permite concluir que a beleza é, de facto, uma poderosa arma de arremesso apontada à nossa sensibilidade e que não há nada como o belo (já lá dizia Platão), para nos fazer baixar as defesas e nos deixar a todos babados e a chorar por mais, seja esse mais de que natureza for. Aposto que, com este filme, Ang Lee fez mais pelo fim dos preconceitos contra os homossexuais do que duzentos desfiles histérico-gays pelas baixas históricas das principais capitais mundiais. Porque, quando o estamos a ver, nem nos lembramos de que ali estão dois homens, mas apenas dois seres humanos que se amam, escondidos de uma sociedade que não os aceita porque. Podiam ser dois indianos de castas diferentes, um judeu e uma árabe ou uma outra dupla qualquer, artificialmente fraccionada pela história e pela cultura dominantes, que os nossos dó e compreensão não podia ser maiores. Não há preconceito que resista ao sentimento de identificação gerado pela sensação pungente da pena, quando esta nos é devidamente embutida no coração. Tem tudo a ver com a forma como se diz e como se nos é apresentada, a estória, de modo a que não resvale, por um lado, para o exibicionismo panfletário, nem, por outro, para a tentação da tábua rasa. É um difícil equilíbrio, este, plenamente conseguido in casu: a coisa está tão bem feita e tão na medida certa que, não obstante eu ser mulher, heterossexual e saber de antemão que os actores são os dois heterossexuais, ter sentido na pele a carga erótica de algumas cenas supostamente mais arrojadas que, não só não me chocaram de todo como me deram algum gozo, quase como se nelas estivesse a participar (para além de ter chorado do princípio ao fim afundada no sofá, ao mesmo tempo que dava graças por me ter atempadamente poupado a figuras tristes numa sala de cinema em público). Heat Ledger e Anne Hathaway são comoventes até ao limite do desconcertante e Jake Gyllenhaal aprimora aqui o seu habitual registo de desnorte contido. Tudo neste filme é belíssimo, até (e principalmente) o desespero dos amantes e a esperança que se pressente para além dele. O resto, é paisagem. Igualmente bela, por sinal.
e pede à mãe para organizar uma pool party com os amigos (só os amigos, mãe! não quero cá família...). Chega o dia e a coisa está mais ou menos ela por ela: meia dúzia de rapazes espichados e borbulhentos, de gaforinas pseudo-rebeldes, vestidos à pinto calçudo, e meia dúzia de miúdas devidamente enformadas, de umbigos à mostra, costas à mostra (enfim, tudo muito à mostra, menos o couro cabeludo). Preocupação da mãe: contar cabeças - que ela bem sabe conterem nesta altura mais ideias parvas (como seja saltar do cimo da mesa de plástico para a piscina na parte mais baixa) do que outra coisa qualquer. A páginas tantas, o exterior esvazia-se para o quarto da filha, uma divisão de 3 metros por 3 com a janela fechada até cima numa escuridão completa, com tudo ao molho e fé em deus, ou seja, com tudo deitado em cima e aos pés da cama do anjinho e princesa de sua mãe. Afastadas as imagens súbitas de Sodoma e Gomorra (e de outros filmes de Fellini/Godard) que a assaltam, a mãe lá consegue penetrar no ambiente húmido de respiração e corpos encafuados para perceber que - alívio! - apesar do ambiente pesado, na televisão o Valdemort tenta matar o Harry Potter, o que lhe parece relativamente inofensivo. Uma hora depois, metade de sexo indiferenciado encontra-se novamente na piscina. Então, filha, os outros?, pergunta. Ah! Ficaram no quarto a ver o resto do filme. Quer dizer, alguns... porque os outros estão no marmelanço... A mãe congela o sorrisinho e jura não mais perguntar até ao fim da vida sobre o paradeiro de ninguém e, aquando no corredor, bate com força com os pés no soalho e anuncia a sua chegada com pompa e circunstância, gastando os nós dos dedos na porta do quarto. Afinal, há coisas que uma mãe não quer ver, nem saber, pelo menos para já.
Ele era um bocadinho de generation gap com tempero de espaço contentor aqui para a mesa do canto, fáxavor, que a minha filha acha que somos amigas e eu não sei se estou preparada.