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Controversa Maresia

um blogue de Sofia Vieira

Controversa Maresia

um blogue de Sofia Vieira

...

por Vieira do Mar, em 19.04.06
em viagem I



“Mãe, sabias que o senhor incrível dá murros nos maus e faz poffff! E a mulher elástica estica muuuuuuito os braços, estiiiica e... iááááááááá!, também mata os maus. Depois há o Zezé, que não tem poderes e só se transforma num Diabo, e não faz nada, mas a Violeta atira uma bola contra os maus e vrrrrruuuuuuuummmm...mata-os a todos! O mais mau de todos é o Sindrome que lança uns raios assim, zzzzzzzzzt!, mas o Flecha corre muito, catapumcatapum, e ele nunca o apanha...”


(Duzentos quilómetros de onomatopeias depois, e varreu-se-me a tristeza miudinha de saber que vai passar a ver o mundo através de lentes inquebráveis. O que interessa é que veja o mundo.)




em viagem II


- Mãe, nós morremos para sempre ou vivemos outra vez?

- Não sei, filho, há quem diga uma coisa, outras pessoas dizem outra...olha, como nunca morri, se queres que te diga, não sei.

(silêncio prolongado. os carros lá fora. as travagens. as buzinas. as pessoas. a cidade a mexer. a dúvida a remexer.)



- Mas, mãe...quem é que gostavas que ganhasse?


(eu longe. em casa. no cinema. na revisão do carro. nas coisas por pagar. no jantar por fazer.)


- ...Que ganhasse o quê, filho?

- Sim, gostavas que ganhassem os que acham que se vive outra vez ou os que acham que morremos para sempre?

- Gostava que ganhassem os que acham que vivemos outra vez. Era bem mais giro.


(silêncio breve. brevíssimo. satisfeito. completo.)


- Pois. Era só viver...e viver...e viver...e viver....e toda a gente a viver...a viver... a viver... a viver...


(e lá fomos a viver e viver e viver até casa. felizes. a imaginar a eternidade do nosso amor.)



em viagem III



Adoro conduzir. Adoro. Existe, não obstante, um pequeno problema: todos os outros condutores, à excepção do meu marido e do meu pai (sim, sim, já sei: Freud explica). O convívio diário com o lixo que polui as estradas portuguesas é me difícil e desgastante, já que, cada falta de civismo irresponsável, tomo-a como uma espécie de ofensa pessoal, a mim e a toda a minha família até à terceira geração. E é então que eu, mulher habitualmente calma e ponderada, sou vítima de uma estranha mutação genética e, em menos de um minuto, passo de Dr. Jekill a Mr. Hide, adquirindo a imediata capacidade de desejar a morte, com dor, do meu semelhante.

Para tanto, basta algo tão inofensivo como o meu semelhante meter-se à minha frente a 20 na faixa da esquerda, marcar passo até ao sinal verde, que entretanto passa a laranja e, quando fica vermelho, zuuut!, acelerar e deixar-me parada no dito vermelho. Nos segundos que se seguem imagino-me com terríveis poderes telequinéticos tipo Carrie, a provocar o despiste do semelhante em questão e ficar a vê-lo agonizar entre os ferros retorcidos.

A frustração raivosa que então se apodera de mim tem várias consequências negativas que, infelizmente, não consigo evitar. A primeira, é que me tira anos de vida, uma vez que a raiva e o ódio, mesmo que durem apenas um nanagésimo de segundo, fazem mal à pele. A segunda é pior e traduz-se em conversas pedagógicas e edificantes, como a que se segue:



Eu: Ai o cabrão do velho que não me sai da frente e eu, que ainda não fiz o jantar!

Fedelho n.º 1: Mãe, estás a dizer uma asneira muito feia.

Fedelho n.º 2: Pois, mãe, se fossemos nós, se calhar, já tínhamos levado, mas como és tu...

Eu: Calem-se e não me chateiem. Já vos disse que, quando ouvirem a mãe dizer estas coisas no carro, não liguem, ignorem, esqueçam.

Fedelho n.º 3: A gente não liga mas ouve, temos ouvidos é para ouvir, e se tu podes dizer asneiras, porque é que a gente não pode?

Eu: Porque vocês são pequenos e...ai esta vaca que me ia batendo...pronto, porque não, porque eu digo que não podem e eu é que mando!

Fedelho n.º 3: "Porque não" não é resposta, foste tu que nos disseste.

Fedelho n.º 2: Além disso, não se chama "velho" às pessoas de idade, também nos ensinaste isso, lembras-te? Diz-se "velhinho", que é mais simpático.

Eu (em anotação mental): Prá próxima, não me posso esquecer de dizer o cabrão do velhinho.

Fedelho n.º 3: Ó mãe, e porque é que chamaste "vaca" àquela senhora, também é asneira?

Eu: Se não estiveres a referir-te àquele animal preto e branco que dá leite e muge, é.

Fedelho n.º 1: Mas o que é que quer dizer?

Fedelho n.º 2 (interrompendo-o): Ah, isso eu sei, é o mesmo que pê - ú - tê - á!

Eu: Não digas asneiras!

Fedelho n.º 2: Mas eu não disse, mãe! Eu só soletrei, olha: pê-u-tê-á, isso não é dizer a asneira...

Eu: Está bem, está bem, pronto. Vá, saiam lá que chegámos a casa. Dasse (em surdina).

Todos (em coro): Ó mãeeeee, mas isso também é asn...

Eu: PELAMORDEDEUS!

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por Vieira do Mar, em 19.04.06
como é óbvio

também vou.


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por Vieira do Mar, em 19.04.06
como é óbvio

também vou.


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por Vieira do Mar, em 19.04.06
MTV



Atentar na MTV é uma experiência traumatizante. Até agora, tenho-me usado da censura pura e dura para impedir o visionamento caseiro, mas apanho com a dita nos restaurantes, no ginásio e noutros sítios públicos e insuspeitos, não há como lhe escapar. Quando não são pretos de óculos escuros com ar de traficantes de droga, todos de branco e enfeitados a ouro (com especial incidência nos caninos e molares), que fingem que cantam e maltratam brancas e pretas louras com piercings nos arredores das vaginas, cinturas desconjuntadas e rabos gigantescos (que sentam com despudor na lente da câmara de filmar), passam reality shows e concursos. Estas pérolas espelham a vidinha e os anseios da acéfala adolescência dos EUA (não, não é tautologia: a juventude norte-americana parece-me ainda mais acéfala do que as outras juventudes, que já o são um bocadinho pela natureza das coisas). Um dos programas que vi enquanto suava as estopinhas na passadeira, acompanhava os dias que antecediam a festa que assinalaria a entrada de uma insuportável teenager de quinze anos na idade adulta; uma espécie de baile de debutantes, de puesta de largo, um ritual de iniciação de um exibicionismo tão piroso e novo-rico que feriria a sensibilidade do duo Ele & Ela. Foram trinta minutos de Ed TV em que vimos a criatura, com um cérebro mais vazio que a carteira de um idoso português reformado, a foder o juízo à família inteira e aos amigos para que a merda da festa saísse exactamente como queria, o que implicou ter sido ela a escolher o que os outros vestiriam, os penteados, o que dançariam (obrigou-os a todos a aulas de dança) e até o que diriam. Meia horinha bem medida da mais pura chantagem emocional, que culmina por fim na dita festa, em que vemos a cabra a descer umas escadas palacianas num vestido vaporoso que nos remete para a era Dallas, ladeada por repuxos coloridos e ao som de uma marcha triunfal, tipo casamento dela própria com o seu ego. Os amigos e familiares, as cabeças entretanto feitas em água pelos desmandos caprichosos da criatura nos meses que antecederam a coisa, não conseguem disfarçar o alívio e o rancor quando a vêem aparecer no topo das escadas douradas, talvez a desejar que tropece na sandalucha de cetim e parta o pescocinho.

Num outro programa, tipo concurso, um idiota de 18 anos (isto sim, é tautológico) tem de escolher uma de três miúdas de quinze? dezasseis anos?, que estão fechadas numa ramona tipo transporte de presos de alta segurança. Vemos então o rapaz a entrar no quarto de cada uma delas, a revistar-lhes as gavetas e os psichés, a remexer-lhes os souvenirs, os biscuits (as americanas adoram biscuits), a roupa interior (???) - a suja e a lavada! - e a experimentar-lhes o colchão, enquanto vomita uns dichotes que nem chegam a ser ordinários porque ainda não tem idade para saber o que isso é. Entretanto, fechadas na ramona e graças às maravilhas da tecnologia, as miúdas vêem-no e ouvem-no e, por entre gritinhos excitados e esperançosos, aguardam ansiosas a escolha. Para quê, ainda não se percebe bem. Finalmente, depois de muitas bocas foleiras de índole sexual, o criaturo confronta-as cara a cara e opta por uma, cabendo-lhe explicar às excluídas os motivos da não-escolha. Quanto a uma, - pasme-se! -, a razão aventada foi a de que ela guardava debaixo da cama o livro "Sexo para Principantes", o que não lhe pareceu nada bem. É então que percebemos que a felizarda escolhida vai ter a suprema honra de passar uma noite com o rapaz e na última imagem vemo-los na marmelada num jacuzzi (os americanos também adoram jacuzzis). Portanto, não sei se estão a ver: as miúdas são tratadas como meros orifícios a preencher, escolhidos praticamente à sorte por um imberbe acéfalo com as hormonas à solta, sendo que abona nitidamente em desfavor das ditas o facto de lerem livros inócuos que pretendem iniciá-las, de um modo descontraído e adequado à respectiva faixa etária, nos mistérios do sexo.

De facto, uma hora de MTV dá para perceber como é que o país com a indústria porno mais desenvolvida do mundo, cujos lucros equivalem à soma de não sei quantos PIBS de países africanos sub-saharianos, tem estados em que os liceus proíbem nas suas bibliotecas os livros de Mark Twain.

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por Vieira do Mar, em 19.04.06
MTV



Atentar na MTV é uma experiência traumatizante. Até agora, tenho-me usado da censura pura e dura para impedir o visionamento caseiro, mas apanho com a dita nos restaurantes, no ginásio e noutros sítios públicos e insuspeitos, não há como lhe escapar. Quando não são pretos de óculos escuros com ar de traficantes de droga, todos de branco e enfeitados a ouro (com especial incidência nos caninos e molares), que fingem que cantam e maltratam brancas e pretas louras com piercings nos arredores das vaginas, cinturas desconjuntadas e rabos gigantescos (que sentam com despudor na lente da câmara de filmar), passam reality shows e concursos. Estas pérolas espelham a vidinha e os anseios da acéfala adolescência dos EUA (não, não é tautologia: a juventude norte-americana parece-me ainda mais acéfala do que as outras juventudes, que já o são um bocadinho pela natureza das coisas). Um dos programas que vi enquanto suava as estopinhas na passadeira, acompanhava os dias que antecediam a festa que assinalaria a entrada de uma insuportável teenager de quinze anos na idade adulta; uma espécie de baile de debutantes, de puesta de largo, um ritual de iniciação de um exibicionismo tão piroso e novo-rico que feriria a sensibilidade do duo Ele & Ela. Foram trinta minutos de Ed TV em que vimos a criatura, com um cérebro mais vazio que a carteira de um idoso português reformado, a foder o juízo à família inteira e aos amigos para que a merda da festa saísse exactamente como queria, o que implicou ter sido ela a escolher o que os outros vestiriam, os penteados, o que dançariam (obrigou-os a todos a aulas de dança) e até o que diriam. Meia horinha bem medida da mais pura chantagem emocional, que culmina por fim na dita festa, em que vemos a cabra a descer umas escadas palacianas num vestido vaporoso que nos remete para a era Dallas, ladeada por repuxos coloridos e ao som de uma marcha triunfal, tipo casamento dela própria com o seu ego. Os amigos e familiares, as cabeças entretanto feitas em água pelos desmandos caprichosos da criatura nos meses que antecederam a coisa, não conseguem disfarçar o alívio e o rancor quando a vêem aparecer no topo das escadas douradas, talvez a desejar que tropece na sandalucha de cetim e parta o pescocinho.

Num outro programa, tipo concurso, um idiota de 18 anos (isto sim, é tautológico) tem de escolher uma de três miúdas de quinze? dezasseis anos?, que estão fechadas numa ramona tipo transporte de presos de alta segurança. Vemos então o rapaz a entrar no quarto de cada uma delas, a revistar-lhes as gavetas e os psichés, a remexer-lhes os souvenirs, os biscuits (as americanas adoram biscuits), a roupa interior (???) - a suja e a lavada! - e a experimentar-lhes o colchão, enquanto vomita uns dichotes que nem chegam a ser ordinários porque ainda não tem idade para saber o que isso é. Entretanto, fechadas na ramona e graças às maravilhas da tecnologia, as miúdas vêem-no e ouvem-no e, por entre gritinhos excitados e esperançosos, aguardam ansiosas a escolha. Para quê, ainda não se percebe bem. Finalmente, depois de muitas bocas foleiras de índole sexual, o criaturo confronta-as cara a cara e opta por uma, cabendo-lhe explicar às excluídas os motivos da não-escolha. Quanto a uma, - pasme-se! -, a razão aventada foi a de que ela guardava debaixo da cama o livro "Sexo para Principantes", o que não lhe pareceu nada bem. É então que percebemos que a felizarda escolhida vai ter a suprema honra de passar uma noite com o rapaz e na última imagem vemo-los na marmelada num jacuzzi (os americanos também adoram jacuzzis). Portanto, não sei se estão a ver: as miúdas são tratadas como meros orifícios a preencher, escolhidos praticamente à sorte por um imberbe acéfalo com as hormonas à solta, sendo que abona nitidamente em desfavor das ditas o facto de lerem livros inócuos que pretendem iniciá-las, de um modo descontraído e adequado à respectiva faixa etária, nos mistérios do sexo.

De facto, uma hora de MTV dá para perceber como é que o país com a indústria porno mais desenvolvida do mundo, cujos lucros equivalem à soma de não sei quantos PIBS de países africanos sub-saharianos, tem estados em que os liceus proíbem nas suas bibliotecas os livros de Mark Twain.

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