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por Vieira do Mar, em 11.12.05
esconjuroTinham muitas coisas em comum: um cão, uma mangueira de jardim, um puto ranhoso, a trela do cão. Não que se entendessem por aí além, mas penhoravam-se mutuamente e juravam-se pelas alminhas, a cada muda de fralda e aparo de relva. Entretanto, o puto cresceu, passou a assoar-se e a controlar os esfíncteres e a fé diminuiu-se-lhes: deixaram-se de mãos no fogo e passaram a talvez quem sabe, não posso garantir nada. Para piorar, um dia, ela perdeu a trela, o cão roeu a mangueira e a relva amarelou, à conta de uma geada que lhes caiu em cima e lhes borrou a pintura sem a devida licença (que se queria em papel timbrado de três vias.
Pouco depois, e estavam a viver de fotografias: recordações desbotadas de baba e ranho, de aparelhos de rega e de ossos entre dentes, a um passo do descrédito.Tempos volvidos e já não se jogavam nem a feijões, não se apostavam numa rifa, sequer,entre mil, pois tinham a certeza de (se) perderem e de não terem como pagar, endividados que estavam para consigo mesmos por toda a eternidade. Para compensar, ela arranjou um gato, ele arranjou-se como pode (ou terá sido o contrário?).
No seguimento de uma bica escaldada (a bica, não o gato, que até gostava de água fria) morreram por fim afogados, culpa toda de um cansaço que os venceu, depois de anos em que se haviam mantido à tona de vagas gigantescas de rancores salgados, daquelas muito boas para a prática de surf a dois.
Acabaram comidos pelos peixinhos, lamentando-se por terem perdido tanto tempo terrestre a limpar rabos, passear cães e aparar relva, e por terem fodido tão pouco. Tantas mãos no fogo um pelo outro e tão poucas mãos em fogo um no outro. Enfim, quase esqueletos no fundo do mar e ainda lhes saía o trocadilho, e dos bons! Nem tudo é mau, pensou ele, enquanto um caboz lhe chupava o olho direito, que faiscava raivoso em direcção ao maxilar meio descarnado dela, por sua vez escancarado numa expressão de gozo e já meio soterrado no leito oceânico das cínicas virtudes.
Escusado será dizer que, na senda de neptuno (mas sem a respectiva dignidade
divina), se atiram raios e coriscos para todo o sempre a vários metros de profundidade, no esconjuro eterno da maldição conjugal.
Pouco depois, e estavam a viver de fotografias: recordações desbotadas de baba e ranho, de aparelhos de rega e de ossos entre dentes, a um passo do descrédito.Tempos volvidos e já não se jogavam nem a feijões, não se apostavam numa rifa, sequer,entre mil, pois tinham a certeza de (se) perderem e de não terem como pagar, endividados que estavam para consigo mesmos por toda a eternidade. Para compensar, ela arranjou um gato, ele arranjou-se como pode (ou terá sido o contrário?).
No seguimento de uma bica escaldada (a bica, não o gato, que até gostava de água fria) morreram por fim afogados, culpa toda de um cansaço que os venceu, depois de anos em que se haviam mantido à tona de vagas gigantescas de rancores salgados, daquelas muito boas para a prática de surf a dois.
Acabaram comidos pelos peixinhos, lamentando-se por terem perdido tanto tempo terrestre a limpar rabos, passear cães e aparar relva, e por terem fodido tão pouco. Tantas mãos no fogo um pelo outro e tão poucas mãos em fogo um no outro. Enfim, quase esqueletos no fundo do mar e ainda lhes saía o trocadilho, e dos bons! Nem tudo é mau, pensou ele, enquanto um caboz lhe chupava o olho direito, que faiscava raivoso em direcção ao maxilar meio descarnado dela, por sua vez escancarado numa expressão de gozo e já meio soterrado no leito oceânico das cínicas virtudes.
Escusado será dizer que, na senda de neptuno (mas sem a respectiva dignidade
divina), se atiram raios e coriscos para todo o sempre a vários metros de profundidade, no esconjuro eterno da maldição conjugal.