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Controversa Maresia

um blogue de Sofia Vieira

Controversa Maresia

um blogue de Sofia Vieira

...

por Vieira do Mar, em 27.10.05
Um filho doente

Como me apetecesse dizer mal, cortar na casaca, ser um bocadinho puta, enfim, telefonei a uma amiga. A custo, pediu-me que a desculpasse mas não poderia brincar comigo, pois tinha o filho pequeno bastante doente. Tipo castor hiperactivo, o arrependimento roeu-me os fígados e com eles construiu rapidamente uma represa. Quão estranho lhe deve ter parecido o meu palavreado solto!, assim como quem vê um estendal de roupa ao longe e ao vento, sem forma nem nexo... 
Porque, quando nos adoece um filho, suspende-se-nos a rotação do sol e da terra e tudo pára, como a bobina de um filme que se parte, a frame imobilizada no ecrã , com o galãparado, a caminho dos lábios para sempre entreabertos da sua amada.
No fundo, no fundo, sabemos que, láfora, as pessoas continuam a ir para os empregos, picam o ponto, discutem política nos cafés e pedem o prato do dia, mas são rituais que nos surgem distantes, improváveis, quase absurdos. O que resta da nossa existência, para além do filho-que-está-doente-e-tem-que-ficar-bom, passa a ser gerido em piloto automático, porque nós, na verdade, não estamos lá, abandonámos temporariamente o cockpit das coisas banais.
E os outros, quantas vezes sem perceberem que o ser humano que têm à frente não é mais do que um clone nosso, um fantoche que se faz passar por nós e que manda bitaites em reuniões importantes, confere o troco na caixa do supermercado e diz boa noite aos vizinhos, no elevador.
O medo que nos toma de assalto o estômago minimiza tudo o resto, desde dívidas por pagar a ofensas por vingar. Trepa-nos em espiral, como alguém que sobe a correr as escadas de um farol, e empurra-nos para cenários de horror terminal, confabulados a partir de uma constipação de merda.
A um filho doente, seguimo-lhe religiosamente as funções vitais: se não come, perdemos o apetite; se não dorme, forçamo-nos à vigília; se não lhe apetece brincar, não nos apetece ouvir música, ver um filme, fazer amor. Se nos desvia o olhar mortiço da história que à noite lhe lemos, nós, nem nos atrevemos a olhar para os títulos do jornal do dia.
Sacerdotisas dotadas, adivinhamos nas entranhas da fisionomia dele os mais pequenos sinais de recobro ou do contrário, e sabemos ser o silêncio o pior desses sinais. É então que queremos tanto!, voltar a estar fartos do barulho do rodado do triciclo no soalho, das birras ao fim da tarde e da avalanche de perguntas irrespondíveis, que nos abalançamos a qualquer coisa que rompa a insuportável quietude do nosso filho doente. 
E o tempo lá fora, suspenso, o relógio da nossa vida parado, àespera de corda. Na imensa e feliz maioria das vezes, tudo acaba sem deixar outras mossas que não as que se vão sobrepondo, em camadas de mil-folhas, no nosso arrítmico coração de pais e mães.
Mas só ao primeiro sinal de melhoras irreversíveis os vários lados da nossa vida desconchavada começam de novo a encaixar-se. É apenas então que, quais houdinis aliviados, nos libertamos das correntes que nos puxavam para o fundo e vimos à tona, expirando longamente as angústias monoxido-carbónicas-acumuladas. E a terra recomeça, lentamente, a girar.

a precoce consciência das limitações

por Vieira do Mar, em 09.10.05
Miúdo de 9 anos amigo do meu filho: o Diogo gosta da Mariana R.!

Diogo: e tu gostas da Marta L.!

Eu: Ah sim? E é gira, a Marta L.?

Miúdo de 9 anos amigo do meu filho: É muita gira.

Diogo: Nem por isso. Por acaso, não é assim muuuuuita gira...

Eu: Ai não? Então em que é que ficamos: é ou não é gira?

Miúdo de 9 anos amigo do meu filho: Bem... é... mais ou menos. Giras, giras, são as de 18 anos, mas com essas não tenho hipóteses.

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