- Não, Joãozinho, é uma coisa que se diz quando se quer brincar com alguém que usa óculos, como se te dissessem olha o cabeça amarela! por seres louro, percebes? Não tem mal, não fiques a pensar nisso.
Devido a uma rara conjugação astral, o jantar decorria pacífico e higiénico, sem copos de sumo entornados na toalha, esparguete esborrachado debaixo dos rabos ou disputas raivosas sobre a propriedade do último bocado de bife. Aliás, o tom da conversa era estranhamente civilizado, cultural, edificante, até: falava-se de Dom Quixote e da sua Dulcineia, de amores perdidos e achados, de Romeu e Julieta, de Shakespeare e de como este morreu no mesmo dia que Cervantes. Às tantas, o Joãozinho (5 anos, já se sabe!), decide entrar na conversa e mostrar que também percebe de literatura:
- É o Dom QuixoQUE, é o Dom QuixoQUE !
Eu não resisto a perguntar-lhe:
- Mas quem é esse tal de Dom QuixoQUE, Joãozinho, sabes?
E vai ele, assim, de chofre:
- Então, é o DOMQUI *, Hi hó! Hi hó!, CHOQUE, Pum! (e simula um murro no ar com o punho fechado).
...
Banzadinha com o improvável raciocínio poliglota da criança (desta criança que carreguei dentro de mim!), viro-me para o pai e disparo, num murmúrio: Tu viste-me isto? É mesmo esperto, o raio do miúdo!
Só que o miúdo, além de esperto, tem ouvido de tísico e, vai daí, sai-se com esta (jureusejaceguinha!) :
- Estás fascinada comigo, não é mãe?
- Hã?
(ainãoquenãotou!)
* portanto, "donkey" = " burro" em inglês, não sei se estão bem a ver.
"Na piscina, o herói (João, 4 anos), munido de uma hiper-mega-metralhadora de água de longo alcance, dotada de um invejável poder de raio, salva um pobre e indefeso velhinho (Diogo, 8 anos) das garras de uma terrível baleia assassina (Beatriz, 11 anos):
Vai, vai mata-a com um tiro, vai! Ahhhhh que vou morrer! Toma, toma, baleia mazona, larga-o! (fshhhh, fshhhh)! Aiiiii, que estou ferida!, vou morrer para o fundo do mar... (mergulho) Obrigado, meu herói, meu salvador, obrigado!... diz o velhinho saído das garras da morte (mergulho).
E vai o salvador do universo, em voz baixa e para consigo próprio: Olha, já agora, mato também o velho! Pum! (fshhhhh, seguido de mergulho)
(Olha, já agora, alguém tem o contacto do Dr. Daniel Sampaio?)