há noites assim
por Vieira do Mar, em 14.04.05
em que as angústias do dia se aglomeram e empurram à porta do sono; em que os medos se roçam desavergonhada e pornograficamente no subconsciente e ganham rostos e nomes vários. Há noites assim, em que saltitamos da vigília ao pesadelo como se jogássemos à macaca no recreio da escola, em que eles nos desaparecem e se aleijam, nos fogem e de repente já lá estão outra vez, à nossa frente, num cenário improvável. Primeiro o mais pequeno, depois o do meio, agora a mais velha, algo de mau lhes aconteceu, estão longe, querem-lhes mal, alguém, e eu não lhes chego (como não chegava à minha mãe nos meus sonhos, quando era pequena). Há noites assim, em que eu chamo a minha filha e ela ignora-me a dor, em que partem os três para outros lados e eu fico só em território desconhecido e inimigo, pregada a um chão que não vejo. Há noites assim, em que acordo com a angústia de que o mal espreita e de que tenho de os proteger, hoje quero ir com eles para a escola, desdobrar-me em três, clonar-me, sentar-me ao lado de cada um na sala de aula, no refeitório e, na ginástica e no recreio, ser-lhes guarda-costas e guarda-frentes.
Ah, porra! Que às vezes me sinto tão frágil, tão pouco mãe-torre, torreão, bastião, e tanto - mas tanto! - ou mais, muralha medieval que se vai com um simples sopro sonhado de lobo mau. Ah, porra.
Ah, porra! Que às vezes me sinto tão frágil, tão pouco mãe-torre, torreão, bastião, e tanto - mas tanto! - ou mais, muralha medieval que se vai com um simples sopro sonhado de lobo mau. Ah, porra.