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por Vieira do Mar, em 21.03.05
o xixi
Antes de ter filhos, era muito pouco tolerante para com os desvios à norma social, praticados pelos progenitores e respectivos rebentos. Nos restaurantes, qualquer grito isolado, corrida rasante ou choro estridente, eram motivo para humpfs! indignados. Já não me lembro bem, mas parece que pensava que pais e filhos deveriam ficar fechados em casa e abster-se de socializar em público, para descanso do resto da população, até à maioridade dos segundos, ou qualquer coisa assim. Ou então, que se dividissem os espaços públicos em com crianças e sem crianças, no género fumadores e não fumadores, para que ninguém fosse apanhado à má-fila (ainda hoje, acho que não seria má ideia haver, por exemplo, voôs children-free: ir várias horas enclausurado com um bebé que se esganiça com falta de espaço e dores de ouvidos, pode estragar umas férias ainda antes de estas terem começado).Quando os meus filhos começaram a crescer dei por mim a pensar que, ou saímos com eles e seja o que Deus quiser ou continuamos em casa até nos transformarmos geneticamente em plantas de interior envasadas, reduzidos à actividade fotossintética e à absorção de nutrientes. Optei pela primeira hipótese, claro está. Para minimizar os estragos, desde o primeiro dia foi tudo educadinho como deve ser, com todos os fachavores, obrigados e quietinhos e caladinhos, que o respeito é muito bonito, especialmente quando é pelos outros. Uma trabalheira, portanto. No geral, as coisas têm corrido bem, sem grandes estragos da parte deles nem vergonhas incomportáveis, da minha. Só quando nos vemos obrigados a lidar com os imponderáveis é que tudo se complica. Nessas alturas, a realidade implode de forma impiedosa com os bonitos princípios cívicos, reduzindo-os a escombros. Um exemplo? o xixi. É um axioma: a vontade de fazer xixi (não treinável nem educável) surge nos piores momentos e sempre quando a casa de banho mais próxima se encontra distante de nós assim como a terra da lua. Nas viagens de carro, então, é certinho: logo após o arranque, ou imediatamente a seguir à passagem da estação de serviço, lá vem o mãeeeee, estou aflitinhooo!. E é ver-nos ali, à beira da estrada, agachados, a pegar neles com esforço (chumbinhos!), o sangue a afluir-nos à cabeça enquanto sacudimos um rabito ou uma pilita que teimam em pingar, ping, ping, então, já está? ainda não, mãeeee. O pior é quando não é uma questão de distância mas de pura e simples urgência, mãeee, que eu não aguento!, só um bocadinho, filho, a pastelaria é mesmo ali à frente, ai que faço nas cuecas, tu não me faças xixi nos estofos do carro, estamos quase, quase... aiiiii!
Solução? Parar o carro no meio da cidade e pôr a criancinha a fazer xixi contra a berma do passeio, como um cãozinho, e fingirmos que não vemos os olhares de nojo e censura dos transeuntes, que gente tão porca, credo, nem sabem usar uma casa de banho. Sinceramente, entre os estofos do carro e a berma do passeio, a escolha parece-me óbvia. Mas quem o entende? Quem?...a não ser aqueles que hoje passam (ou algum dia passaram) por idêntica humilhação?
Antes de ter filhos, era muito pouco tolerante para com os desvios à norma social, praticados pelos progenitores e respectivos rebentos. Nos restaurantes, qualquer grito isolado, corrida rasante ou choro estridente, eram motivo para humpfs! indignados. Já não me lembro bem, mas parece que pensava que pais e filhos deveriam ficar fechados em casa e abster-se de socializar em público, para descanso do resto da população, até à maioridade dos segundos, ou qualquer coisa assim. Ou então, que se dividissem os espaços públicos em com crianças e sem crianças, no género fumadores e não fumadores, para que ninguém fosse apanhado à má-fila (ainda hoje, acho que não seria má ideia haver, por exemplo, voôs children-free: ir várias horas enclausurado com um bebé que se esganiça com falta de espaço e dores de ouvidos, pode estragar umas férias ainda antes de estas terem começado).Quando os meus filhos começaram a crescer dei por mim a pensar que, ou saímos com eles e seja o que Deus quiser ou continuamos em casa até nos transformarmos geneticamente em plantas de interior envasadas, reduzidos à actividade fotossintética e à absorção de nutrientes. Optei pela primeira hipótese, claro está. Para minimizar os estragos, desde o primeiro dia foi tudo educadinho como deve ser, com todos os fachavores, obrigados e quietinhos e caladinhos, que o respeito é muito bonito, especialmente quando é pelos outros. Uma trabalheira, portanto. No geral, as coisas têm corrido bem, sem grandes estragos da parte deles nem vergonhas incomportáveis, da minha. Só quando nos vemos obrigados a lidar com os imponderáveis é que tudo se complica. Nessas alturas, a realidade implode de forma impiedosa com os bonitos princípios cívicos, reduzindo-os a escombros. Um exemplo? o xixi. É um axioma: a vontade de fazer xixi (não treinável nem educável) surge nos piores momentos e sempre quando a casa de banho mais próxima se encontra distante de nós assim como a terra da lua. Nas viagens de carro, então, é certinho: logo após o arranque, ou imediatamente a seguir à passagem da estação de serviço, lá vem o mãeeeee, estou aflitinhooo!. E é ver-nos ali, à beira da estrada, agachados, a pegar neles com esforço (chumbinhos!), o sangue a afluir-nos à cabeça enquanto sacudimos um rabito ou uma pilita que teimam em pingar, ping, ping, então, já está? ainda não, mãeeee. O pior é quando não é uma questão de distância mas de pura e simples urgência, mãeee, que eu não aguento!, só um bocadinho, filho, a pastelaria é mesmo ali à frente, ai que faço nas cuecas, tu não me faças xixi nos estofos do carro, estamos quase, quase... aiiiii!
Solução? Parar o carro no meio da cidade e pôr a criancinha a fazer xixi contra a berma do passeio, como um cãozinho, e fingirmos que não vemos os olhares de nojo e censura dos transeuntes, que gente tão porca, credo, nem sabem usar uma casa de banho. Sinceramente, entre os estofos do carro e a berma do passeio, a escolha parece-me óbvia. Mas quem o entende? Quem?...a não ser aqueles que hoje passam (ou algum dia passaram) por idêntica humilhação?