Numa família de cinco, vírus que ataca um, ataca todos.
Todos, excepto a mãe-malabarista-equilibrista-analgésica-antipirética que, por entre pijamas e chãos vomitados, termómetros e choros choramingados, exibe o seu número circense. Porque ela, meus senhores, meniiinos e meninaaaas, tem a fantástica capacidade de acudir a várias barrigas barulhentas de uma só vez, com a ligeireza de um triplo mortal!
de onze anos, não se aguenta no mesmo metro quadrado que o meu filho do meio, com oito. Ao pé dela, ele não pode falar, não pode comer, não pode cantar, não pode existir. Os barulhos dele incomodam-na, os raciocínios dele exasperam-na, as brincadeiras dele irritam-na. Inconscientemente separamo-los, hoje vais para os avós, amanhã vais tu, e separamo-nos, eu vou com ela e tu ficas com eles, única hipótese de tréguas na guerrilha urbana que por vezes se vive cá em casa. Ao mínimo nãomotivo, uma raiva irracional irrompe por ela fora, transformando uma miúda doce e compassiva num animal selvagem em defesa do território. Eu, filha única, alheia às erupções violentas do amor fraterno, não cesso de me interrogar se a culpa é minha e se estarei a falhar em alguma coisa. Irmãos e irmãs de irmãos e de irmãs, dizem-me que não me aflija, que é mesmo assim e que ambos não passam de peões numa batalha de ciúmes mastigados, à conquista dos mesmos espaços, coisas e afectos. E que, na maior parte das vezes, os grandes ódios de infância degeneram em grandes amizades adultas. Renhidas, pejadas de arestas, cortantes, mas figadais. Deus queira.
E os meus filhos trataram de mim: levaram-me leitinho com mel à cama, gritaram baixinho para não me incomodarem, deixaram-me dormir a sesta, foram à rua fazer-me recados, cozinharam-me um pão-de-ló, deram-me os comprimidos a horas e pegaram-me na mão enquanto eu ardia em febre.
Só os filhos, para transformarem a nossa agonia numa meiga agonia.
1. A Catarina, 9 anos, em frente ao PC, procura o site brasileiro da Turma da Mônica (aquela do Cebolinha e do Cascão). Ó mããããã-iiii, como é que vou lá-ááá? (mãe na cozinha, às voltas com a panela da sopa) Então, filha, o site deve ser importante porque os desenhos são conhecidos em todo o mundo, por isso experimenta m-ó-n-i-c-a-ponto-cê-ó-éme. Por acaso, a mãe (desperto o instinto face ao silêncio súbito), larga a panela, vem espreitar à sala e o que vê? A inocência da filha especada em frente à página inicial de uma outra Monica, esta, uma genuína porn star americana que, nua e de perna aberta, exibe de frente e em todo o esplendor, dois grandes atributos siliconados e vários piercings nos lábios (sendo que não me refiro aos da boca). Animada pelo Flash, a nossa Monica interactiva geme em movimentos pendulares.
Nunca, até esse dia, a mãe havia mergulhado em voo picado para uma ficha eléctrica nem, muito menos, havia conseguido desligá-la em 0,0001 segundos. Mas foi o que fez (embora esfolasse o cotovelo na aterragem).
2. O Bernardo e um amigo, ambos com 10 anos, jogam Harry Potter no PC. Incentivados pela crescente desatenção parental, minimizam o jogo, entram no ambiente de trabalho, clicam furtivamente no internet explorer e aterram no google. Intrigados com os mistérios da sua própria anatomia em transformação, decidem ampliar conhecimentos e escrever na janelinha de busca a palavra pilas. Surge-lhes como resultado da busca, 100.987 páginas, sendo as 100 primeiras os sites espanhóis da Duracell, da Bosch, da Energizer, da Sony e por aí fora.
Chateados, ficam-se pela página 22, a curiosidade insatisfeita e já morta de tédio (embora, em contrapartida, tenham ficado a saber muito sobre pilhas e a duração das respectivas cargas).
Alguém tem por aí um dicionário adolescente/adulto-adulto/adolescente, que me empreste? E,já agora, um que tenha o significado não apenas de PALAVRAS, mas também de EMOÇÕES?