que não é fácil fazer rir os miúdos, espectadores exigentes que não riem para agradar ou porque têm pena, e muito menos porque as convenções sociais ou a moda a tal obrigam. Excelentes barómetros daquilo que é um humor bom, são capazes de discernir a pincelada cómica no meio do drama e de ficar absolutamente sérios durante uma suposta comédia. Desprezam as piadolas infantis em que são tratados como retardados mentais e, no circo, são poucos os que acham genuinamente piada ao número estafado dos palhaços. Mas se foram duas pessoas mascaradas de palhaço à porrada, aí o caso muda de figura. O que me conduz ao sucesso d´O Gato Fedorento com a miudagem, facto que não cessa de me espantar. Porque não é um tipo de humor que se dissesse, à partida, fácil e acessível: quem não entende a mordacidade e a ironia que se escondem por detrás do non sense de uma mesma frase repetida à exaustão (como, por exemplo, a minha porteira) não lhes achará grande piada. Mas as crianças, sem excepção, adoram - comparam punchlines no recreio, decoram sketches inteiros, chegam a casa e, ao invés do Canal Disney e da MTV pedem, ó mãeeee, põe aquela das ciganas a correr...Nunca se cansam e acham sempre graça, de cada vez que vêem (e podem ver vinte vezes). Fazem rankings das melhores piadas, que pirateiam em gravações caseiras e oferecem aos melhores amigos. Neste momento, cá em casa, na faixa etária 11/12, o homem que não era capaz de mentir, leva-os aos delírio; na faixa 8-11, o top mais é a entrevista do ...ATUM!!! Sabem as deixas de cor, deliram com o cão que é o atum, repetem com a exacta entoação os 27 anos na faina, e a propósito de tudo e nada encaixam um ATUMMM!!. na conversa. Já na faixa dos 5/5, nada é mais entusiasmante do que o desenrolar da Cirurgia: se faz favor, também se usa, na minha terra...sabe que isto da educação não está só nas palavras, e por aí fora, até à catarse, quando RAP pede um ursinho de peluche cor-de-rosa se faz favor! Há uma semana que ando a agradecer ao meu filho o urso, em jeito de adeus e olá. Cada despedida e cada posterior reencontro exigem o respectivo teatrinho e dão direito à correspondente e franca gargalhada. E porque quem meus filhos beija, minha boca adoça, que Deus ou entidade equivalente os abençoe, a estes ricos meninos.
para lhe entregar a mochila esquecida em casa. No meio da confusão, descubro-o lá ao fundo lavado em lágrimas por não sei por quê. Cedo à tentação animal de correr, de lhe lamber as lágrimas e de o embalar no meu colo. Aproximo-me dele com calma, limpo-lhe as lágrimas com a palma da mão e enquanto lhe entrego a mochila, pergunto-lhe o que se passou. Segue-se um arrazoado dos amigos, mais lágrimas, as gagas justificações dos inimigos, e ainda mais lágrimas. Em resumo, está na moda um jogo com uma espécie de tazos, que são usados em apostas. Só que os maiores fazem batota e amanham-se com os tazos dos mais fracos. Sinto a minha mão indecisa entre disparar para a bochecha do ladrão badocha, ou abrir-lhe à força os dedos, que apertam ciosos a porcaria dos tazos que acho que são do meu filho. Na incerteza, baixo a mão. Cedo ainda à vontade de voar à papelaria da esquina, comprar todo o stock de tazos e cobrir com eles a tristeza do meu filho. Por fim, dou-lhe um beijinho, faço-lhe uma festa na cabeça como que a dizer deixa lá, não ligues, atiro um olhar de lança-chamas ao badocha, que se encolhe, e vou-me embora, com o coração esmifrado, torcido e apertado como num torno.
É um facto: no microcosmos social que é o recreio, impera a lei do mais forte e não há professora ou vigilante que o possam impedir. Sinto que devo estar mais atenta.
"não é nada, estava no chão do meu quarto, por isso é meu! és um troll, quando te apanhar a jeito vais ver! ai é ? então devolve-me a caderneta que te emprestei! não devolvo nada, se quiseres tenta tirar-ma, vais ver...mongo! e tu és uma baleia badocha e agora vou dizer à mãe quem é o teu namorado, ai vou! ai vou! atreve-te, anormal, nem sabes o que eu te faço! aiiiiii, mãeeeee, ela está-me a bater! e tu deste-me um pontapé no cotovelo, olha mãe, olha aqui a marca!.."
Estou convencida de que, se em vez dos paralelos de calçada que são o Bush e o Sharon, pusessem uma mãe de dois, três ou mais - uma qualquer, dessas que há para aí aos milhares pelo mundo - a tentar resolver, por exemplo, o conflito no médio oriente, já a terrinha santa se encontraria toda divididinha, as fronteiras bem demarcadinhas e cada um no seu canto, a viver contentinho e em paz.
Excepto a mãe-malabarista-equilibrista-analgésica-antipirética que, por entre pijamas e chãos vomitados, termómetros e choros choramingados, exibe o seu número circense.
Porque ela, meus senhores, meniiinos e meninaaaas, tem a fantástica capacidade de acudir a várias barrigas barulhentas de uma só vez, com a ligeireza de um triplo mortal. Tcharaaaaaaan.
"Mãe, o senhor incrível dá murros nos maus e faz poffff! E a mulher elástica estica muuuuuuito os braços, estiiiica e... iááááááááá!, também mata os maus. Depois há o Zezé, que não tem poderes e só se transforma num Diabo, e não faz nada, mas a Violeta atira uma bola contra os maus e vrrrrruuuuuuuummmm...mata-os a todos! O mais mau de todos é o Sindrome que lança uns raios assim, zzzzzzzzzt!, mas o Flecha corre muito, catapumcatapum, e ele nunca o apanha..."
Duzentos quilómetros de onomatopeias depois, e varreu-se-me a tristeza miudinha de saber que vai passar a ver o mundo através de lentes inquebráveis. O que interessa é que veja o mundo.