two out of three ain´t bad
O João dedica-me o melhor slow de todos os tempos, obrigada! E porquê, o melhor? Primeiro, porque o compasso era perfeito para aquela coreografia básica do um passo para um lado e outro para o outro (só suplantada pela complexidade técnica do um passo para um lado e dois para o outro); segundo, porque tem aquele dramatismo épico fundamental aos primeiros amores, mercê da violinada excessiva e do esforço suado e sofrido do artista então conhecido na terra dele como rolo de carne (mas isso a gente não sabia). Uma lamechice perfeita, que avançava e crescia na proporção directa do fervilhar das hormonas e do atrevimento das mãos.
Nos inícios dos anos oitenta, o slow era uma etapa obrigatória do namoro ou da curte (a diferença residia no grau de seriedade do compromisso). A coisa ocorria normalmente numa casa particular de um amigo ou no ginásio de um liceu; para tanto, bastava uma mesa misturadora com dois gira-discos (para fazermos as passagens), umas colunas vistosas, umas luzes psicadélicas, e pronto: éramos todos djs de ocasião, e a noite fazia-se a discos pedidos. Primeiro, aquecíamos o nervoso miudinho com o ska, o reggae, o punk rock, os primórdios da música electrónica e alguns restos mortais do disco. Mas sempre na mira do agarranço, então ainda um bocadinho cerimonioso, feito de limites implícitos e de gestos proibidos. Dançar um slow era o meio caminho entre os bilhetinhos na sala de aula e o lambuzanço rápido nos esconsos do liceu; era o primeiro reconhecimento do sexo oposto, a primeira intrusão táctil nos mistérios alheios. Hoje, o conceito de slow é pura e simplesmente desconhecido desta nova geração que, em público, facilmente se agarra - mas que não dança agarrada. O pudor não é para aqui chamado, é apenas uma questão de moda ou, talvez, de queimar etapas. O que leva a que às vezes me pergunte como faz a tribo de agora para crescer assim, tão depressa e à bruta, sem estes meigos rituais de passagem, mas isso dava post para mangas.