cobrar por um jornal onde se escreve sem se ser pago?!
Gosto do Jornal i desde o primeiro dia. Não é preciso ser licenciado em design para perceber a então inovação do grafismo, a boa ideia quanto ao tamanho das páginas que facilita a leitura enquanto se bebe a bica, as notícias curtas que muitas vezes tendem a fugir ao comum dos tablóides e os, alguns, excelentes artigos de opinião. É claro que, enquanto houve o suplemento "Nós, Portugueses", coordenado pelo Pedro Rolo Duarte, o Mestre (saravá, Pedro!), o jornal era mais interessante. Depois, ao fim de 50 números, foi substituído por um suplementozito menos giro, em termos de conteúdo - e em especial em termos gráficos -, mas que, mesmo assim, não desmerecia do jornal no seu todo e que manteve bons colunistas, que é o que interessa. É um jornal "jovem", sem a parte pejorativa geralmente associada ao que é ser "jovem". Não sei quem foi que o comprou, nem o que é que o senhor faz ou é. Parece-me, no entanto, que começar por deixar de pagar aos colunistas, a espinha dorsal de qualquer bom jornal que se preze (porque, para notícias em primeira mão temos sempre o twitter e o google) é, não só um erro estratégico, como uma enorme falta de respeito para com a dignidade criativa de quem escreve. Sempre achei que escreve de graça quem quer e quem pode - ou quem não consegue ser pago pelo que escreve (ou porque não é suficientemente bom ou porque a vida lhe é injusta). Por isso eu escrevo num blogue e, ocasionalmente, para quem me convida. Mas escrever regularmente para um jornal ou uma revista é trabalhar. A sério. Não é coisa de madraço, como muito invejosos e wannabes afirmam, mas é dar no duro, mesmo - em especial se se tem brio naquilo que se faz. Implica investigar, escolher bens as palavras, buscar inspiração mesmo quando não a há, dar tudo para ser original, encolher textos, alargar textos, submetermo-nos à ditadura dos caracteres e das imposições editoriais, entregar um artigo em modo deadline e mal ter tempo para respirar ante a pressão de saber sobre o que escrever no artigo que vem a seguir. É trabalho físico e de cabeça. E é o alimento de quem depois o lê. É por eles e elas (os que escrevem e opinam sobre o que se passa no mundo) que muita gente compra jornais. Eu, por exemplo, que não gosto do Público, compro-o só para ler o MEC, logo no dia, fresquinho, assim que sai. Uma coluna pequenina, uma pérola enfiada no meio de um jornal que nada me diz, mas eu compro-o. E, como eu, muito gente fará o mesmo em relação aos seus colunistas favoritos. Deixar de lhes pagar em nome de uma "reestruturação necessária" é um desrespeito, uma desonestidade e, principalmente, um tiro no pé: os colunistas do "i", da mesma forma que vão deixar de ser pagos, que deixem de escrever, e depois é ver quem pega no jornal e para onde vão os oito mil e quinhentos leitores diários.