waiting sucks
Inda agora conversava com uma amiga querida sobre o fascínio que exerce sobre nós a série True Blood. Eu não gosto de vampiros. Aliás, acho ridículo pessoas adultas vibrarem com o tema e terem frémitos de excitação com historietas adolescentes como twilights e afins. Li o Dracula de Bram Stoker quando tinha dezasseis anos, roubado à sorrelfa da biblioteca dos meus pais, e chegou. Não acho nada sensual, sexo misturado com sangue. O primeiro é uma coisa boa (ou pode ser, claro), o segundo lembra-me doenças, violência, cheiro a ferro, dentes de leite arrancados, dores de parto, cortes na cozinha quando descasco cebolas e cicatrizes para a vida. E no entanto. No entanto, há qualquer coisa em True Blood que me deixa absolutamente fascinada, colada ao ecrã. Algo que me torna a mais eficiente hacker, a sacar da net séries inteiras, a rever os episódios uma e outra vez, mesmo quando o elemento suspense já foi. Não falo do genérico (fabuloso) que sei de cor, nem da excelente banda sonora dos créditos finais, sempre diferente. Um princípio e um fim não chegam para fazer uma boa série. No fundo, acho que o que me atrai é a indefinida dualidade entre o bem e o mal. Ali, nunca ninguém é exactamente bom nem totalmente mau; no entanto, o Bem e o Mal andam à solta como nunca vi em nenhuma outra série. À solta dentro de cada um dos personagens. Não há dois lados que se digladiam, há pessoas que se digladiam interiormente com as suas duplas, triplas, naturezas. O facto de uns serem vampiros, outros humanos, fadas, metamorfos, ou lá o que lhes queiram chamar é apenas uma metáfora. Uma metáfora para a capacidade que todos temos dentro de nós para, perante certas circunstâncias, nos transformarmos em anjos ou em monstros. E depois há a perspectiva utilitária e manipuladora do ser humano, que perpassa toda a série: mesmo a criatura mais boazinha não olha a meios para conseguir os fins; e o mais malvado dos vampiros é capaz de, no final, exercer a misericórdia, o arrependimento e ser generoso para com os que ficam. O vício cresce à medida que a trama avança porque a confusão entre o Bem e o Mal interiores cresce exponencialmente, em especial nos personagens principais, pelo que é impossível adivinhar o que vai acontecer a seguir. Como dizia a minha amiga, aquilo é com vampiros, mas podia ser com empregados de escritório. Porque o que ali acontece é a natureza humana em todo o seu esplendor - e que ainda por cima nos é apresentada com imaginação e diálogos de antologia. Pessoalmente, além do gozo que me dá acompanhar a trama propriamente dita, é uma série que cai que nem ginjas no momento que vivo actualmente, em que saí da redoma e me apercebi de que o Mal e o Bem podem coexistir no mesmo espaço, ao mesmo tempo, às vezes em mim; noutras vezes, em outros. E que as pessoas não mudam; apenas são uma ou outra coisa, em maior ou menor grau, consoante a vida as empurra num ou noutro sentido. As presas sangrantes e os pescoços distendidos em esgares de suposto prazer são só folclore para rapariguinhas góticas e para outras não tão rapariguinhas nem tão góticas assim, que nada percebem de tesão com homens a sério e que desse modo excitam as suas imaginações doentias. De qualquer modo, e voltando ao que interessa, a série é um portento de malevolência, altruísmo, manipulação, perversidade, generosidade, fé e traição: ou seja, de humanidade em estado puro (para mais, passa-se nos EUA sulistas, ignorantes e atrasados, pasto para as emoções e as crenças mais primárias). Portanto, vejam-na se puderem. As primeiras três séries estão inteirinhas na net. Estou que não me aguento com a quarta, que nunca mais chega. E como eles dizem na página do FB, waiting sucks.