o impecável sotaque britânico da besta
A fraca qualidade de algumas colunas de opinião nos media portugueses é confrangedora. A pior de todas é a da Margarida Rebelo Pinto na Única: um vómito medíocre de banalidades sobre o amor e o sexo. Qualquer blogger experimentado em opinar através de posts devidamente embrulhados em punch lines faria melhor. A segunda pior (à excepção da daquele rapazinho de boina da revista do Sol) encontrei-a ontem, quando estava a ler um dos suplementos do Expresso e deparei com uma crítica ao programa Hell´s Kitchen, um reality show. A miúda que a escreve diz basicamente que o dito é apenas um meio para o Chef Ramsey, "uma besta", ofender os concorrentes com muitas "f words". Tudo "no seu impecável sotaque britânico". Quem nunca tenha visto o programa - um entretenimento do caraças, quer se goste ou não do estilo - fica assim com uma ideia errada do mesmo. Comecemos rapidamente pelo fim. Que raio quis a colunista dizer com "no seu impecável sotaque britânico"?! Ao contrário do que deixa entender, o Chef - uma espécie de grosseiro mestre de cerimónias do concurso - fala num inglês a que comummente chamamos das docas, ou seja, típico das classes baixas, e não num inglês da upperclass, pelo que o seu sotaque não é de todo "impecável". Por outro lado, a sua exasperação não é assim tão gratuita pois, logo nas primeiras noites da quinta temporada (por exemplo) uma das concorrentes despeja açucar no esparguete, outra serve-o cru, já um deles serve "esparguete de lagosta" sem a lagosta, outra deixa as colegas sozinhas a meio de uma prova e vai chorar e empaturrar-se para as escadas, e outra ainda (que alegadamente tem uma escola de culinária) queima as vieiras ao fritá-las... Enfim, coisas absolutamente inaceitáveis para quem aspira a um quarto de milhão de dólares e ao posto de chef num dos melhores restaurantes dos EUA (dizem eles). E é sempre agradável desancarmos - ou vermos desancar - na incompetência, até nos traz cor à cara. Quando os concorrentes fazem as coisas bem feitas o homem não se poupa nos elogios, embora o que mais interesse ali seja de facto o espectáculo, pelo que toma decisões injustas que visam apenas manter o equilíbrio competitivo entre as duas equipas - por exemplo, entre os homens de um lado e as mulheres do outro. Para quê? Para manter os que dão mais luta e que provocam maior desestabilização no seio do grupo, correndo rapidamente com os mais fracos. Para tanto, os concorrentes são psicologicamente manobrados para "nomearem" este ou aquele colega. Normalmente, Ramsey arranja maneira de os grupos se alternarem nas expulsões, escolhendo de modo subjectivo (embora não pareça) qual o que terá de nomear dois colegas. O grupo escolhe dois: um, é o elo mais fraco da cadeia- o choramingas, o desastrado -; o outro, o arrogante - que o grupo não quer ver nem de longe. Perante os dois, Ramsey chuta geralmente este último e mantém o problemático, em nome da confusão - ou seja: das audiências - que o conflito é susceptível de gerar. Até pode não ser exactamente assim mas, se vamos falar de algo e sermos pagos para isso, convém tentar percebermos primeiro como funciona e qual o mecanismo subjacente à coisa, enquadrá-la com alguma informação adicional (mesmo que mínima) e depois explicá-la um bocadinho aos outros - e não limitarmo-nos a fazer piadolas e apreciações superficiais que dão direito a conclusões absurdas. Como diria uma pessoa que me é muito querida, olha estudasses!.