os pais dos outros
Os pais dos outros são muitos e este dia não é para todos. Não é para os que nunca se levantaram sonolentos aos trambolhões para acalmar o filho, não é para os que nunca lhe mudaram uma fralda, massajaram as cólicas, lhe enfiaram um bebegel ou passaram uma noite nas urgências embrulhados com ele numa máscara de oxigénio. Este dia não é para pais que nunca deram um banho ao filho, ou que não tomaram banho com ele, deixando a casa de banho num amoroso caos enxarcado. Não é para os que nunca ensinaram, nem partilharam nem brincaram ou embarcaram em fantasias exóticas de soldados e lutas e dinossauros e corridas no chão de um T2; nem para os que só abraçam o filho para a fotografia em cima da lareira ou partilhada no facebook. Não é para os que exigem aos filhos o que nunca exigiram a si mesmos, projectando nestes as suas ambiguidades e frustrações, fazendo-os carregar consigo peso do mundo. Não é para os que fogem, recriminam e se ofendem quando as crias os desiludem e não correspondem às expectativas do que nunca foram. Não é para os que tudo permitem porque assim é mais fácil, nem para os que compram o seu descanso com playstations e viagens. E muito menos para os amorfos robotizados, de amantes ao almoço, que chegam a casa, se sentam, e vão mudando de canal até as palhaçadas solitárias dos filhos se esgotarem de cansaço. Não é para os que fingem não ter bens para escapar à pensão de alimentos, nem para os que nunca olharam uma ecografia sem se embargarem com a imagem daquele girino de olho enorme e coração pulsante de vida, que os espreita expectante. Não é para os que nunca ajudaram num trabalho de casa, nunca foram a uma reunião da escola, nunca os repreenderam por causa das notas, nunca os abraçaram, orgulhosos, dizendo-o bem nos olhos deles que o estão, para que não fiquem nunca na dúvida. Este dia não é para os que, bêbedos, batem nas mães, por vezes nos filhos, nem para os que o fazem sem sequer beber. Não é para os que põem entraves quando não detém a legítima autoridade que lhes advém de fazerem parte da solução e não apenas do problema. Não é para os que fazem dos filhos matraquilhos nos campeonatos regionais das separações; nem para os que os desprezam só porque desprezam o útero que os gerou e que agora os repugna. Este dia é para os outros PAIS que não estes: os biológicos, os padrastos, os padrinhos, os tios, os avôs, as mães que são mãe e pai. Este dia é para o meu PAI. E para mim, que também sou pai.