lixo
Quem dera guardar a tristeza num bolso dobrada em quatro, amarrotá-la à vista do primeiro caixote do lixo, dar-lhe um piparote bem calculado fingindo displicência e encestá-la logo à primeira. Quem dera que ela ficasse lá no fundo, a desfazer-se como a base dos copos de papel da mc donalds, encharcando com coca-cola morna o lixo circundante, contaminando-o de tal modo que só um camião especial por ali a passar a caminho de um aterro tóxico o soubesse recolher com cuidado, acondicionando-o para prevenir o contágio, despejando-o longe do meu bolso leve e vazio. Quem dera perder no caminho (qual caminho?) as lembranças velhas de afinal tão poucos dias e deixá-las para trás como a pele velha da cobra misturada na terra, desprezada no chão como todas as coisas que não merecem altura: a pista morta de um batedor a soldo da ganância urbana de um caçador feio e rico. Quem dera esbater em mim os contornos da tua cara um dia alegre como a de um tolo que nada sabe do tempo, como esbato com o dedo incerto as sombras nos meus olhos, atenuando o pó castanho escuro até à linha das sobrancelhas, ali onde já mal se nota a cor de partida e a minha pele sobressai num desmaio translúcido. Quem dera que não me sorrisses nas pálpebras.
* foto minha