Temos, então, os amantes. Amantes no sentido literal do termo e não no clandestino. Ele debruçado nela, num vaivém espacial, cada vez mais rápido, frenético, ele o homem bala, o senhor incrível, o inspector gadget. Por fim, dá-se o big bang e há um universo que se expande, uma explosão nuclear no atol, um meteorito que cai e extingue os dinossauros, crateras no corpo que se abrem, a pele rasgada de gozo e tudo neles bate palmas, plateias inteiras de pé. E há gritos que rasam a pintura da parede nova, deslizam pelo chão, escoam-se pelas frinchas e abafam um trrrriiiiiiim metálico, de alarme, que se ouve por uns segundos na casa, noutro lado da casa, talvez na cozinha. Momentos depois, e o corpo dele amolece, agora tombado no dela; as mãos de ambos descolam-se a custo e, aos poucos, o olhar circula em volta, preguiçoso: ali uma meia caída, uma bota amarfanhada no canto, o jornal da uma na televisão, a porta da rua a bater, o telemóvel que acende a luz de mensagem. Há a consciência a desemaranhar-se e há um latejar que esmorece. Regressa a visão periférica: o mundo já não é só o outro. As coisas reclamam de novo os seus lugares. E é então que ele, quando ela ainda se esfrega e desenrosca, lhe apanha o ouvido a jeito e lhe diz: "Bom, acabámos ao mesmo tempo que a carne assada."
Os desastres naturais em sítios com uma população (ou parte dela) pobre, são sempre um maná para os fotógrafos de ocasião - e para os outros. Há sempre algures uma criança orfã ou desalojada com olhos tristes e cara suja cujo desalento sobressai por entre os escombros. Sob a capa do "fotojornalismo" dito sério, na onda World Press Photo, o sofrimento humano extremo transforma-se, através da câmara, num evento triste mas delicodoce - tristezinho, vá -, que suscita por um lado a piedade alheia, mas, por outro lado, a admiração pela sensibilidade e sentido de oportunidade do fotógrafo em questão. Que, com um bocado de sorte, ganhará um prémio qualquer e o concomitante reconhecimento público. E, embora qualquer imagem comovente que se preste a metáforas lamechas seja de todo preferível à brutalidade frontal da última capa da Visão - Madeira (que mostra em grande plano um corpo enlameado em posição fetal - um pai, uma mãe, um filho de alguém - a ser retirado dos escombros), ambos os modos de "olhar" a tragédia debitam um exibicionismo pornográfico e um pressuposto venal que me repugnam. Ao invés de prazer, falamos de sofrimento, mas o princípio é o mesmo: descontextualizar, mostrar... e vender.
Sinceramente, não percebo porque é que os jornalistas insistem em entrevistar Sócrates; o resultado é sempre uma farsa patética da qual ninguém sai a ganhar. É óbvio que o homem não sabe (ou não lhe interessa saber) o significado de entrevista em democracia, entrando invariavelmente em estúdio para o seu habitual monólogo de defesa propagandístico, e pouco mais. Mas o que me espanta é que ainda o levem a sério e lhe dêem tempo de antena para ele espraiar o seu mau génio e fazer-se de vítima . E que um indivíduo esperto como MST tenha a ingenuidade de pensar que vai tirar-lhe nabos da púcara ou levá-lo a dar-lhe explicações sobre o que quer que seja. Que desperdício de energia, de meios técnicos, de mão-de-obra, da atenção dos outros... de tudo. Desistam, porra. Isto só lá vai com moção de censura ou com eleições daqui a quatro anos. No entretanto, evitem dar-lhe mais tempo de antena.